sábado, janeiro 17, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: Os escritores e o obscurantismo dos «cons»

Os acontecimentos da semana transata demonstraram que pode-se morrer porque se escreve, se desenha, se caricatura. Como comentou Albert Uderzo “quando se começa a ter a consciência de certas coisas ganha-se medo.” Foi na primeira emissão de «La Grande Librairie» de François Busnel depois do assassinato dos caricaturistas do «Charlie Hebdo», e que teve por tema a literatura como abrigo contra a estupidez fundamentalista.
Enki Bilal que, álbum após álbum, abordou a deriva da sociedade em que vivemos, confessa ter consciencializado esses perigos quando, na sua Jugoslávia natal, constatou a ascensão dos nacionalismos em concertação com o obscurantismo religioso. Foi assim que um dos mais belos países europeus implodiu e levou consigo uma das mais atrativas utopias do século transato: o socialismo baseado em modelos de autogestão.
Daniel Pennac olhou para os acontecimentos com o espanto de quem perde amigos próximos, um dos quais - Cabu - era para ele a versão mais aproximada do anjo de Frank Capra. Mas também consegue distanciar-se o suficiente para calcular o quanto ririam Charb e os amigos se soubessem como, no seu martírio, viriam a ser santificados.
Para Virginie Despentes existe uma cobardia extrema por parte dos assassinos que escolhem vítimas indefesas, sejam elas jovens estudantes no México, meninas na Nigéria ou caricaturistas em Paris.
Tahar ben Jelloun preferiu enfatizar a reação espontânea que, logo nesse mesmo dia, levou muitos milhares de franceses a reunirem-se nas praças das principais cidades para afirmarem a determinação em lutarem contra o fanatismo religioso. Se os assassinos julgavam possível calar o jornal, o tiro saiu-lhes inevitavelmente pela culatra, porque embora matassem os jornalistas, não conseguiram extinguir a liberdade.
Para Gérard Mordillat o que aconteceu na sede do «Charlie Hebdo» não foi um crime, mas antes uma execução. E também um retorno aos métodos fascistas de acicatar situações de violência contra um determinado alvo para que ele reaja igualmente de forma violenta e assim garantir a escalada até à imposição do totalitarismo.
Exigindo o direito a duvidar e a rir de tudo, Mordillat reconhece a dificuldade, ainda hoje em França, de levar por diante a elaboração de uma História laica das Religiões. Porque, acrescenta Tahar ben Jelloun, nenhuma delas aceita o riso, porquanto ele apressaria a negação dos seus dogmas.
Mas, mesmo a proibição de representação do Profeta não tem raízes históricas antigas: trata-se de uma imposição do wahabismo que, no século XIX,  impôs regras particularmente fundamentalistas ao Alcorão. Nos séculos anteriores a civilização muçulmana apresentou muitas representações de Maomé e, ainda hoje, se podem encontrar postais iranianos em que se ilustram fases distintas da sua biografia.
Em suma, passada mais de uma semana sobre o início desta presente crise de terrorismo, só nos resta lamentar as vítimas de um fenómeno, que está a conhecer o seu estertor...

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