O fogo-de-artifício sobre o Funchal nesta passagem de ano fez-me recordar a experiência de há um quarto de século quando, enquanto oficial do navio do mesmo nome, vivi o deslumbramento dessa explosão de cor sobre os céus noturnos da capital madeirense.
O paquete estava então completamente lotado por suíços dos cantões germânicos que, em dois anos consecutivos, fretaram o navio, no primeiro para visitarem os portos da África Ocidental e no seguinte os do lado do Oceano Índico.
Mas, mais memorável do que o espetáculo pirotécnico foi a provação do dia seguinte: uma inundação da casa da máquina do leme, que nos obrigou horas a fio a combatê-la à custa de braços e de corpos completamente ensopados.
O alerta deu-se na primeira manhã do novo ano, quando um dos ajudantes de motorista foi dar a volta do costume à popa e encontrou aquele compartimento com água bastante para o impedir de nele entrar.
Navegávamos, então, rumo a Dacar, a escala seguinte de uma viagem iniciada em Génova e que nos levaria igualmente a Cabo Verde.
Logo alguns de nós acorremos ali para dar solução ao problema, que ameaçava a própria operacionalidade do com ando do leme.
Não dispondo de uma bomba portátil, que resolveria facilmente a dificuldade, a alternativa passou por organizarmos uma corrente de braços capaz de fazer circular a água em baldes entre o compartimento e o convés.
A dificultar-nos a tarefa tínhamos o mar de tal forma revolto, que a popa mergulhava frequentemente nas vagas, possibilitando que a inundação se agravasse pelo lado de cima e perigando quem no topo das escadas estava a despejar os baldes para o convés.
A solução passou por ir contando as sucessivas ondas e, normalmente à sétima, a tampa do acesso ao compartimento era fechada e quem se encontrava do lado de fora corria aceleradamente para o piso acima.
Durante horas a fio andámos naquela azáfama, questionando-nos se estávamos a fazer baixar o nível da água ou se, pelo contrário, ele continuava a subir.
Embora suspeitássemos da verdadeira origem da inundação - um obturador preso na válvula de não retorno colocada na compressão de uma bomba manual de esgoto -, questionávamo-nos se viveríamos as aflições de outros colegas nossos que, anos antes, a bordo do paquete «Pátria» quase tinham perdido uma batalha semelhante na casa das máquinas.
Sem que o estado do mar nos desse tréguas, lá conseguimos ir reduzindo a dimensão do problema até acedermos ao equipamento avariado. Só então pudemos serenar a inquietação e, enregelados, ganharmos o direito a um merecido banho quente!
Felizmente que um início tão turbulento nada significou de menos auspicioso para um ano, que foi rico em excelentes vivências...
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