Uma das surpresas trazidas pela vida moderna é a percentagem de crianças à nossa volta nascidas com alergias ou com outros tipos de doenças crónicas.
Olhamos para décadas atrás, quando as condições de higiene e os cuidados preventivos com a saúde eram inferiores, e quase ninguém se queixava desse tipo de problemas. Crianças com diabetes ou autistas eram uma raridade quando, há meio século, comecei a frequentar as escolas públicas.
O documentário do austríaco Bert Ehgartner pode-nos elucidar sobre esta aparente involução, sobretudo por colocar uma pergunta muito pertinente: até que ponto os excessos da medicina e da industrialização estão a enfraquecer as resistências imunitárias das nossas crianças?
A tese é esta: nascemos com os genes, que nos caracterizam, mas não podemos perder de vista todos os parasitas e bactérias, que nos acompanham desde que nascemos e tão importantes se revelam para estabelecerem padrões eficazes de resposta do sistema de imunitário aos fatores de agressão sobre os diversos órgãos do nosso corpo.
Alergias, problemas de concentração, hiperatividade, asma, eczema, autismo doenças autoimunes: na Europa uma em cada três crianças sofre de uma destas doenças crónicas. Nos Estados Unidos até chegam a metade das crianças e esses números continuam a crescer.
Apesar dos progressos da medicina, os sistemas imunitários estão a virar-se contra nós se é que a causa não esteja até nesses progressos. Há muito se sabe que a utilização intensiva de antibióticos acaba por se revelar mais prejudicial do que benéfica para quem os ingere.
Nos países em vias de desenvolvimento não é isso que acontece: em zonas rurais até se constata que as crianças, apesar de infestadas de parasitas nos intestinos, não apresentam sintomatologias que se aproximem em gravidade e dimensão com as das sociedades mais desenvolvidas.
Parece existir, pois, uma relação causa/efeito entre o modo de vida ocidental e a prevalência de tais doenças. Ainda que haja aqui um claro ignorar de outra variável não despicienda nesta questão: se as crianças dos países mais pobres mostram maior resistência às doenças das dos países ocidentais, também não podemos ignorar as taxas de mortalidade infantil, que fazem daquelas as campeãs de uma exigente competição onde demonstraram capacidades darwinianas para sobreviverem.
Bert Ehgartner explora as diversas possibilidades de explicação interrogando crianças com tais doenças, investigadores em imunologia ou parasitologia, para evidenciar o papel fundamental das bactérias no desenvolvimento do nosso sistema imunitário, bem como as desvantagens das cesarianas ao impedir o bebé de se embeber na herança microbiana da mãe. Abordam-se, igualmente os inconvenientes de uma higiene demasiado rigorosa ou os abusos da vacinação. Uma conhecida apresentadora de programas de gastronomia expõe os riscos para a saúde dos açúcares e dos aditivos utilizados na indústria alimentar.
Trata-se, pois, de um documentário de investigação, que nos convida a interrogar as certezas quanto aos benefícios do progresso e a valorizar os microrganismos que nos habitam.
Sem comentários:
Enviar um comentário