segunda-feira, janeiro 26, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Uma Abelha na Chuva» de Carlos Oliveira

Neste romance, publicado em 1953, enfrentam-se dois grupos sociais assaz representativos da sociedade portuguesa de então: de um lado a burguesia rural e, do outro, os artesãos e os camponeses.
A óbvia crítica social serve, porém, de pano de fundo à trágica história dos personagens: Maria dos Prazeres forçara-se a casar por interesse com um rico latifundiário, Álvaro Silvestre, de quem não tivera qualquer filho. A vida quotidiana esgota-se nos sonhos inconfessáveis e numa forma de violência recalcada.
Maria esforça-se por esconder o desprezo, que lhe merece o marido. Que, pelo seu lado, a teme, muito embora lhe sirva de refúgio para enfrentar o terror que a morte e a má consciência lhe causam.
Dois casais costumam visitar o casal Silvestre: o padre Abel e a «irmã» (mais provavelmente a amante) e o doutor Neto com a sua noiva de sempre.
Há também que contar com Jacinto, o cocheiro dos Silvestre, ansioso por iniciar uma vida a dois com Clara, a filha do oleiro, o qual anseia, porém, encontrar marido mais conveniente para ela.
Todos os personagens são exemplares: cada um deles representa, ora a sociedade dominante, ora a dominada. Mas os dois grupos coexistem na mesma realidade social, muito embora o drama subsequente nada tenha a ver com o confronto do oprimido com o opressor.
Surge uma outra personagem importante: a chuva, que se manifesta constantemente na vida de todos eles, suscitando-lhes interações de que não chegam a ter consciência. Ela incomoda, irrita, destrói e, em crescente violência, conduzi-los-á ao crime ou à morte.
A chuva é o espelho onde se reflete uma outra realidade, enquanto as velas, acesas nas chaminés para combater a humidade, desenham sombras nos rostos, como as que lhes turvam as almas.
É nessa presença do fogo e da água, que se revelam e destroem os personagens, numa simbologia plena de significado. Se aquece e ilumina, o fogo também queima. É assim, que o cabelo louro do cocheiro, tornado mais brilhante pela chuva, suscitará um desejo contido em Maria dos Prazeres. E será esse sentimento a estar no fulcro do drama por provocar o ciúme do marido e o pressionar para a vingança.
Se Clara será vítima inocente dessa explosão de violência, não se poderá dizer o mesmo de Jacinto, que forçara a situação ao exibir excessivamente a capacidade de sedução junto de Maria dos Prazeres.
Álvaro também não pode ser reduzido a um mero estereotipo: ele é o homem destruído pelo medo, pelo ódio a si mesmo, pelo álcool e pela condição de mal amado.
O estilo sóbrio e preciso, a intriga progressivamente tensa até ao clímax, ritmada pelas metáforas suscitadas pela água e pelo fogo, a sonoridade das palavras, que acompanham os movimentos e as emoções das personagens: há aqui o anúncio da prosa poética, que se encontrará em «Finis Terra», o seu último romance datado de 1981.

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