quinta-feira, janeiro 22, 2015

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: Um mal nada banal

Estreou-se agora em França o documentário de Vanessa Lapa sobre o chefe absoluto das SS e arquiteto da “solução final”: «Heinrich Himmler, the decente one».
Resultado de sete anos de investigação, os historiadores associados à produção do filme estudaram as centenas de cartas, os quinze diários, as fotografias e muitos outros documentos encontrados na residência de Himmler em 1945, quando os norte-americanos a ocuparam.
Durante quinze anos esse manancial de informação andou perdido sabe-se lá por onde até ser adquirido por um artista israelita, Chaim Rosenthal, que o conservou num caixote debaixo da cama do seu quarto até morrer em 2006. Foi o filho quem ofereceu o seu conteúdo a uma universidade de Telavive, que logo cuidou de lhe dar o merecido encaminhamento, de que resultou um livro já publicado e o documentário para cinema acabado de estrear.
Para a belga Vanessa Lapa, que contou com vários familiares entre as vítimas do Holocausto, a questão que lhe interessava descobrir era como um fervoroso católico e chefe de família extremoso conseguia ser  tão perverso. Ou, por outras palavras, como é que alguém se consegue dissociar da sua humanidade, para se converter num monstro?
É que, ao contrário de Eichmann, Himmler não personificava de modo algum a “banalidade do mal” definida por Hannah Arendt. Com a mesma frieza com que passava junto a cadáveres acabados de serem fuzilados, era capaz de levar a família para um “aprazível” piquenique com os fornos crematórios do campo de Dachau ali quase ao lado.
Se inventou as câmaras de gás destinadas a agilizar o extermínio dos judeus foi para conseguir aliar outros dois objetivos bem definidos na sua cabeça: contornar os escrúpulos dos soldados a quem era imputada a tarefa de fuzilar os condenados e poupar os elevados custos com armas e balas.
Era, pois, um homem violento e perverso, que nada tinha de uma eventual variante do Dr. Jekyll e do Mr. Hyde: funcionava com códigos morais muito rígidos, associados à fobia por tudo quanto cheirasse a judeu, comunista ou homossexual.
Já em jovem era um jovem burguês obcecado com o declínio da Alemanha, a pureza da raça germânica e a ordem burocrática. Explica-se, assim, que até numerasse as cartas de amor que enviava a Margaret com quem viria a casar. E ela é outro dos mistérios desta história: como é que uma mulher, sete anos mais velha que o marido, aceitou representar o papel de esposa submissa depois de ter sido uma jovem emancipada e com perspetivas feministas?
As cartas de Himmler à filha, Gudrun, ainda viva e  apoiante confessa dos neonazis atuais, expressam essa aparência dúplice , quando lhe  transmitia conselhos: “na vida, devemos ser sempre decentes, corajosos e bondosos”.
Decente” era de facto a palavra por ele mais utilizada nessa vasta correspondência. E daí o título escolhido pela realizadora para o seu filme. Apesar de, com ele, pretender demonstrar que o Mal absoluto existe e pode estar mesmo ao nosso lado! 

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