No passado a televisão francesa contou com excelentes programas culturais de que o mítico «Apostrophes» terá sido o mais conhecido.
Hoje, a exemplo do que assistimos com a evolução do audiovisual um pouco por todo o lado, os reality shows e outras vacuidades erradicaram esse tipo de propostas ou tornaram-nas quase marginais.
«La Grande Librairie», de François Busnel, constitui uma heroica exceção, aparecendo semanalmente na FR5 e na TV5.
Pessoalmente não constitui o tipo de emissão, que preferiria se Bernard Pivot continuasse no ativo, mas lá diz o ditado que quem não pode caçar com cão, caça com gato.
No mês passado o que esteve em questão foi um inquérito promovido pelo programa televisivo e por algumas revistas, que colocaram esta questão: qual foi o livro que mudou a sua vida?
A partir dos resultados obtidos apresentaram-se os vinte títulos mais votados de entre quantos terão contribuído para mudar as opções dos seus leitores.
É claro que dominaram os autores franceses, alguns dos quais indiscutíveis: Vítor Hugo com «Os Miseráveis», por exemplo, que, conjuntamente com os romances de Dickens tanto contribuíram para mudar a forma como se educavam as crianças até então, tornando cada vez mais inaceitável o uso da eufemística «psicologia aplicada».
Ou «Madame Bovary» de Flaubert, que sugeriu a quem o leu a legitimidade para sonhar com outra vida, que não aquela a que se poderiam sentir obrigados. Mesmo com os riscos de quem, perante os constrangimentos da realidade, nunca se conseguirão libertar dos parâmetros do que sonharam.
E, obviamente, «Em Busca do Tempo Perdido» que tem frases curtas admiráveis e uma comicidade inesperada no meio das mais sérias reflexões. Proust romantiza o real musicando as palavras.
Apareceram dois Camus («A Peste» e o «Estrangeiro») e nenhum Sartre, o que é revelador de uma tendência política, ainda mais reveladora quando se atribui o terceiro lugar a «Viagem ao fim da noite» de Céline.
O colaboracionista nazi, que, no final da Segunda Guerra Mundial, só não acompanhou Brasilach perante os pelotões de fuzilamento , porque se exilou durante uns anos na Dinamarca, mereceu palavras muito elogiosas por parte dos convidados de Busnel.
Ora, acontece-me com Céline o que, em cinema, também não me escapa com o delator Elia Kazan, autor de denúncias de vários colegas à comissão do senador McCarthy: poderão ter assinado obras-primas absolutas, mas o facto de terem sido uns crápulas comprometem indelevelmente os elogios de que poderiam ser merecedores. É que a arte não pode valer apenas enquanto tal, estando ligada necessariamente ao comportamento ético de quem a criou.
Além do livro classificado em primeiro lugar - «O Principezinho» de Saint-Exupéry, - cuja escolha me parece bastante compreensível, o romance francês inserido na lista desses vinte que mais me terá influenciado enquanto leitor foi o «Grande Meaulnes» de Alain Fournier.
Quanto prazer tive com essa história de amor e também de amizade, que é ao mesmo tempo um relato poético sobre os bosques e a neblina matinal. Li-o quando adolescente e identifiquei-me com o desejo de tudo arriscar, vivendo tão intensamente quanto possível.
Porque tais escolhas ainda merecem mais algumas reflexões voltarei a elas noutro texto...
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