Em textos anteriores tenho abordado a consulta feita pelo programa «La Grande Librairie» aos telespectadores franceses para definirem a lista dos vinte, que mais terão contribuído para lhes mudar as vidas. Foi assim, que anunciei os dois romances sobre a viagem à Lua, da autoria de Júlio Verne como aqueles que, aos onze anos, me terão aberto pistas para diversas opções futuras, enquadrando-se nos parâmetros definidos por François Busnel.
Agora, quase a chegar aos sessenta anos de vida, olho para as pretéritas leituras e coloco outro desafio pessoal de acordo com um tipo de questão comum nos questionários das revistas de verão: os três que escolheria se me visse fadado a passar o resto da vida numa ilha deserta.
Seriam eles: «Cem Anos de Solidão» de Gabriel Garcia Marquez (que também figurou no Top 20 da referida seleção gaulesa), «Memorial do Convento» de José Saramago e «Confesso que Vivi» de Pablo Neruda.
Porquê estes três? Principalmente porque, já lidos em adulto, me deram particular prazer e me transformaram dentro do possível, mesmo pouco mudando de substancial já que a personalidade há muito se consolidara tal qual era e é.
Gostei imenso do romance do escritor colombiano, jamais podendo esquecer a cena memorável da chegada de Melquíades a Macondo com o gelo. Mas também as lutas épicas dos Buendia, umas ganhas, outras perdidas, todas aparentemente importantes e afinal olvidáveis.
O do Saramago devorei quando ainda o Nobel estava longe assim como a integração nos programas escolares. Por causa de um estilo diferente de quanto até então conhecera e descrevendo uma época que tanto podia ser maravilhosa com a descoberta do amor entre Baltasar e Blimunda, como grandiosa graças às páginas dedicadas ao transporte das pedras até ao local da construção do convento como, sobretudo, terrível com a Inquisição a mostrar a força do fanatismo religioso em vitimar tanta vida inocente.
Quanto à autobiografia de Neruda conheci-a em primeira mão graças ao Mário Viegas que no programa radiofónico partilhado com Júlio Isidro a deu a conhecer nalgumas das páginas mais fascinantes. Não descansei enquanto não comprei e li o livro, que mostra como uma vida pode ser extraordinariamente vivida se se souberem escolher as companhias e os sítios para se estar em cada momento. E Neruda soube-o bem ao estar, por exemplo, em Espanha enquanto grassava a guerra civil e ao conhecer todos os grandes escritores e artistas do seu tempo.
Qualquer destes livros já foram lidos e relidos e, no entanto, ainda não me conto despedir da vida sem os voltar a revisitar.
Mas pôr-se-á a questão: e se fossem cinco? Ter-lhes-ia de acrescentar «O Deserto» de Le Clézio e «Mar Morto» de Jorge Amado.
E se fossem dez? Lá escolheria títulos de Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Don deLillo, Álvaro Mutis, quiçá um outro Saramago («Ensaio sobre a Cegueira»).
E se fossem vinte? Seriam tantos, tantos os autores e os livros, que ainda gostaria de ler pela primeira vez ou reler, que não me chegariam dez vidas para dar vazão a tal intenção…
Sem comentários:
Enviar um comentário