Depois de, em textos anteriores, abordar os vinte livros escolhidos pelos franceses como os que mais terão contribuído para fazerem deles o que são, é a vez de anunciar o meu. E como, entre as opções gaulesas havia notoriamente um caso em que qualquer semelhança com o conceito de literatura era pura coincidência («O Alquimista» do Paulo Coelho) também não vejo razão para me sentir comprometido com a minha escolha: «À Roda da Lua» de Júlio Verne.
Fiquei surpreendido por não ver o autor das «Voyages Extraordinaires» a figurar naquela classificação. É que, meio século atrás, era perfeitamente natural a qualquer adolescente - época da vida de cada um de nós em que a probabilidade de se ser mudado por um livro é maior - devorar as aventuras do Emílio Salgari e do Júlio Verne. Provavelmente já estou a ficar demasiado démodé.
Os romances do francês foram um amor à primeira vista. Tinha onze anos quando, acompanhado do meu pai e da minha irmã, fui pela primeira vez à Feira do Livro. E foi o fascínio absoluto: ver milhares de livros expostos naquelas barracas alinhadas na Avenida da Liberdade deu-me o ensejo de prever que me tornaria doravante num leitor compulsivo.
A mesada dada para os meus gastos era escassa, mas ainda assim vim de lá com uma dezena e meia de livros com que iria ocupar parte do meu tempo nas longas férias de verão, que se avizinhavam. Alguns deles eram de Jules Verne e ataquei a maratona de leitura por «Da Terra à Lua».
Na época também se vivia a aproximação do fim da década de 60 com o compromisso de Kennedy em conseguir pousar homens no satélite terrestre antes da viragem para os seventies. Tarefa quase impossível, porquanto, meses antes, Gus Grissom, Edward Higgins White e Roger B. Chaffee tinham morrido na plataforma de lançamento da Apolo 1.
A história de Michel Ardan, Barbicane e Nicholl entre a Terra e a Lua surgia na altura certa para um miúdo que via os amigos quererem ser toureiros ou polícias, e colocava a si a meta de se tornar astronauta. Por isso adotava como o guru, cujas palavras bebia com sofreguidão, o esquecido Eurico da Fonseca.
Foi tanto o fascínio, que terei sido um dos milhares de miúdos, que andou em correspondência com a NASA a querer saber novidades em primeira mão e tinha direito, por isso mesmo, a alguma documentação recheada de imagens a cores decerto da responsabilidade de um departamento encarregado de alimentar o «encantamento» dessa geração de maluquinhos dos foguetões.
É claro que foi só um sonho, mas ele teve consequências irreversíveis para o futuro: o gosto pelas viagens justificou que, impossibilitado de atravessar espaços siderais, o tenha feito pelos oceanos de todo o planeta numa vida profissional tantas vezes pontuada pelo deslumbramento por quanto surgia ao alcance do meu olhar. Icebergs, Glaciares, ilhas tropicais, vulcões, barreiras de corais, etc.
E também o prazer do conhecimento, que todos os livros de Verne estimulavam: embora o estilo fosse às três pancadas, o autor preocupava-se em fazer acompanhar todas as histórias de um conjunto de informações enciclopédicas tão atualizadas quanto possível.
Acresce, enfim, o gosto, dentro dessa ânsia de saber, por todos os assuntos que tenham a ver com o Cosmos. A série do mesmo nome, sobretudo a primeira apresentada por Carl Sagan, continua a ser o exemplo paradigmático do que deveria integrar uma televisão pública.
Por isso considero os dois volumes da viagem à Lua de Jules Verne o romance que mudou a minha vida...
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