No recente inquérito do programa televisivo «La Grande Librairie», que definiu os vinte livros mais referenciados pelos franceses como sendo os que lhes mudaram a vida aparecem alguns inquestionáveis. Como, por exemplo, «Diário de Anne Frank».
Quantas gerações de jovens adolescentes leram o relato comovente de uma miúda judia, com as ilusões e preocupações de quem perspetivava um longo futuro à sua frente e, depois, vive o medo, que culmina no desenlace fatal?
Muito embora o horror esteja presente, só se revela no final. E até o próprio Nelson Mandela reconheceu ter vivido menos dificultosamente os anos de prisão graças à leitura de tal relato.
Anne Frank tornou-se num mito de tal dimensão que foram várias as ocasiões em que tentámos visitar a casa onde viveu. Em todas elas encontrámos o quarteirão de Amesterdão ocupado com filas de visitantes, que davam a volta pela rua transversal. Por isso sempre desistimos, porque sabíamos bem o que nos esperaria: uma passagem breve por salas organizadas para satisfazer o voyeurismo dos turistas e sem dar azo a sentir-se algo que se aproximasse sequer do espírito do lugar.
Já comprováramos a diferença noutro local e noutras ocasiões. A primeira vez que entrei na Sagrada Família em Barcelona foi num escaldante dia de verão em que poucos arriscavam palmilhar as Ramblas ou o Paseo di Gracia. Por isso tive a obra de Gaudi quase só para mim. Subi e desci cada uma das torres sem sentir nenhuma outra presença física. Mesmo sem ter no íntimo nada de místico senti algo que de tal se aproximou e me deu grata satisfação.
Uns seis ou sete anos depois, já acompanhado da família, procurei recuperar aquela sensação, mas debalde: filas de gente de todas as latitudes acotovelavam-se num ritmo lento, quase não permitindo que ficássemos uns minutos a admirar a cidade de cada um dos seus varandins. E o lixo acumulado impressionava por quanto revelava da selvajaria dos visitantes e da negligência de quem lhes cobrava os bilhetes sem se preocupar com as mais elementares condições de limpeza.
Voltando ao TOP20 dos leitores franceses conseguimos compreender mais algumas escolhas - «Crime e Castigo» de Dostoievski, «1984» de Orwell ou «Cem Anos de Solidão» de Gabriel Garcia Marquez - mas temos de espantar-nos com outras menos óbvias: «O Estranho Mundo de Garp» de John Irving, «O Perfume» de Patrick Susskind ou «Harry Potter» de J. K. Rowling
Mas onde esta listagem assume maior absurdo é ver «O Alquimista» de Paulo Coelho a integrá-la. Porque julgaríamos ver o inquérito cingido ao universo da literatura e não tanto ao da mera escrevinhice….
Perante este exemplo será sem pruridos que, em próximo texto, irei desvendar qual o livro que também contribuiu para mudar a minha vida. De literatura também terá muito pouco embora fosse assinado por um dos mais bem sucedidos escritores da viragem do século XIX para o século XX. E estranhamente, embora francês, não integra esta classificação reveladora do habitual chauvinismo gaulês. Quem será ele?
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