Embora ainda o possamos ouvir na Antena 1 no «Paixões Cruzadas», com António Macedo, só se pode lamentar a ausência de António Cartaxo na Antena 2 onde, até há dois anos, nos dava o prazer de falar das Grandes Músicas, contando sobre elas histórias que justificavam a sua frase emblemática: “A música é um romance sem fim».
Com a sua verve inimitável Cartaxo contou-nos em centenas de emissões radiofónicas as mais curiosas e divertidas histórias sobre os compositores e os resultados da sua criatividade.
Recordo aqui três a que achei particular graça.
A primeira tem a ver com o compositor Arnold Schoenberg, que foi um dia apresentado a Bertolt Brecht por um amigo de ambos, Hans Eisler.
Conhecendo a antipatia do criador do dodecafonismo pelas ideias socialistas, Eisler temeu o resultado do encontro entre os dois, mas sem razão, já que Brecht terá ficado particularmente deliciado com uma história pessoal contada por aquele. Tratava-se da experiência colhida na subida de íngreme ladeira em que Schoenberg viu um burro, alguns passos adiante, a progredir em ziguezague, tornando bem mais fácil a progressão. Imitando-o, concluíra o compositor: “Hoje posso dizer que aprendi uma coisa com um burro”.
A segunda história passou-se na juventude de Fernando Lopes Graça. Ostracizado pela ditadura, que surgira do golpe militar de 1926, o compositor vira-se impedido de lecionar no Conservatório nacional apesar dos seus brilhantes resultados académicos. Por isso, em 1931, vivia com enormes dificuldades.
Ora, nesse ano, para traduzir por escrito a polémica tida com o compositor do regime, Rui Coelho, nos jornais nas semanas anteriores, ele decidira publicar um opusculo intitulado: «Caça aos Coelhos - último tiro».
Espantosamente, um pequeno livro dedicado a temas musicais, esgotou-se num ápice, depois de surgir nas montras das livrarias do Chiado.
Só podemos imaginar a surpresa, que terão tido muitos caçadores apostados em melhorarem as suas técnicas de disparo, quando terão descoberto a verdadeira natureza daquele título tão enganador.
A terceira história tem a ver com um dos temas musicais, que mais aprecio: o 1º andamento da 7ª Sinfonia de Shostakovitch, criada entre 1941 e 1942, quando as tropas alemãs mantinham o cerco a Leninegrado.
Para esse tema, que simboliza o avanço teutónico o compositor russo deixou-se influenciar pelo desenvolvimento do «Bolero» de Ravel e, sobretudo, por uma célebre ária de Lehar na opereta «A Viúva Alegre».
A escolha dessa ária, que trataria de transfigurar, fazia todo o sentido por tratar-se de uma das preferidas de Hitler.
Lehar criara-a na sequência de uma ida ao «Maxime» com vários amigos e esquecera-se de trazer com que pagar a refeição. Por isso terá prometido ao gerente a remuneração com uma ária publicitária, a inserir na sua opereta em vias de criação e com a qual convenceria muitos melómanos a virem ao restaurante. O que efetivamente se verificou...
Sem comentários:
Enviar um comentário