quarta-feira, janeiro 21, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Os Cadernos Secretos do Prior do Crato» de Urbano Tavares Rodrigues

Há precisamente dez anos  - em janeiro de 2005  - Urbano Tavares Rodrigues iniciou o seu derradeiro romance, que seria publicado dois anos depois. Curto, como foram os da sua fase crepuscular, porquanto a doença já a mais não permitia. E, igualmente, com o seu quê de testamentário, ou não houvesse no escritor a consciência de um fim próximo.
Mas é interessante constatar como «Os Cadernos Secretos do Prior do Crato» tem tanto de Urbano. A começar pela temática: que outra personagem da História de Portugal mais se ajusta ao próprio perfil do autor de «Os Insubmissos»?
Se Urbano foi o combatente inquebrantável de uma bela utopia, que nunca conseguiu ver concretizada, o último príncipe de Avis muito se esforçou por manter viva a pátria derrotada nas areias de Alcácer-Quibir. Por isso nunca se vergou a quem o pretendia submisso aos interesses castelhanos, contra os quais jamais deixaria de lutar. Muito embora procurasse apoios externos para os conjugar com os da arraia-miúda e da burguesia, que nunca aceitaram os usurpadores, António iria de derrota em derrota até à do vale de Alcântara, quando Filipe de Espanha e a alta aristocracia portuguesa lhe acabaram com as ilusões.
Outra característica associa o prior do Crato a Urbano: a rejeição da identidade, que a ambos tinham pretendido assacar. Nem o primeiro aceitou de bom grado os constrangimentos da vida clerical, mormente os da obrigação do celibato - e por isso será odiado pelo tio, o cardeal D. Henrique -, nem quem o escolheu como personagem de ficção quis manter a grande herdade, que tinha no Alentejo. Por isso mesmo, tão só soprados os ventos da Reforma Agrária, Urbano e o irmão Miguel entregaram-na generosamente à cooperativa agrícola que ali se formou. Sem arrependimento, mesmo quando a reviravolta política fez desaproveitar tais terras, quer aos novos, quer aos antigos proprietários.
Acresce finalmente a derradeira similitude: a da personalidade sedutora, com efeito garantido junto das numerosas admiradoras, com que viveram intensas pulsões amorosas. E que nem sempre foram tratadas com a elegância merecida na hora da despedida.
Tal qual o Prior do Crato aproveita o seu caderno pessoal para recordar o testemunho de quanto viveu, também Urbano aproveitou para, através dele, proceder ao balanço das suas vitórias e derrotas, dos amores e desamores.
Porque quase tem a dimensão de uma novela e é feito de frases tão depuradas, que não abrem espaço a redundâncias, o livro lê-se num ápice. E constitui prazer de leitura garantido...

Sem comentários: