sábado, janeiro 31, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: E quem disse que a ascensão social é possível? (2)

Será necessário apagar o passado para tornar mais bem sucedido o êxito de quem apanhou o elevador social? É isso que pensa Gatsby, o protagonista do romance de Scott Fitzgerald, que conta uma história falsa a propósito do seu passado, escondendo tudo quanto nele vivera. Até mesmo a família dá como falsamente desaparecida.
Para Chantal Jacquet, a autora de «Les Transclasses ou la non-reproduction», o conceito de ascensão social é incorreto, preferindo falar em «transclasses: num escadote podem-se subir degraus, mas o pé que sobe deixa para trás o que fica num nível inferior.
Mas o snobismo  não é uma reação apenas relacionada com essa «ascensão»: por exemplo, quando Jean Paul Sartre militou no Partido Comunista francês sempre foi visto com desconfiança por provir de uma classe tida como inimiga por aqueles a quem considerava camaradas.
A ambição só constitui a parte visível do iceberg, sendo mais consequência do que causa: é preciso conhecer-se algo para que a ele se queira aceder. É nesse contexto que funcionam os encontros, os modelos (na família, na escola, etc.) que se possam querer imitar.
Para tal o modelo de vida oferecido pelo ambiente que nos rodeia deve parecer indesejável, seja porque os progenitores parecem sofrer com essa condição social e desejam outro futuro para os filhos (o caso da escritora Annie Ernaux, que confessa escrever para “vingar os seus”), seja porque a criança é rejeitada pelo meio onde nasceu, por exemplo devido à sua homossexualidade (como ocorreu com Édouard Louis, o autor de «Pour en finir avec Eddy Bellegueule»).
Esclarece Chantal Jacquet: “a ascensão social não é uma aventura individual. Nunca se parte para ela sozinho: ou se é expulso donde se vem ou é-se empurrado por esse ambiente. Não existem self made men.  Chega-se a essa condição com a ajuda de outros. Com ou contra eles, mas sempre em ligação com esse contexto”.
Outro bom exemplo literário desta problemática é «O Vermelho e o Negro» de Stendhal no qual se tem em Julien Sorel a demonstração da ambição como motor ou freio dessa aspiração a chegar mais alto. Mimetizando na perfeição os comportamentos daqueles com quem se quer identificar, Julien virá a ser desmascarado pelo amor.
Para Chantal Jacquet nós somos todos o produto de determinações sociais e afetivas - mormente as familiares, que criam uma vontade de agir e alimentar encontros com os quais nos tornamos em quem somos: “os que mudam de classe, e a quem chamo ‘transclasses’, obedecem a uma combinação de causas: à partida as condições económicas e políticas ligadas por exemplo ao sistema educativo ou às Bolsas. Podem ocorrer igualmente encontros decisivos e um jogo complexo de afetos. Atenção  que o conceito de afeto não tem a ver com uma determinação psicológica, porque é Spinoza quem o define como o conjunto das alterações físicas e mentais capazes de terem impacto nas nossas capacidades para agirmos. São os sentimentos e emoções que resultam dos nossos encontros com o mundo exterior e que produzirão efeito”.
Como dizia esse mesmo Spinoza: “não somos livres de ser quem somos, mas antes de não sermos aquilo que não queremos ser”. 

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