segunda-feira, janeiro 13, 2020

Diário de Leituras: «Tudo é Possível» de Elizabeth Strout


Há cinco anos «Olive Kitteridge» soube-me a pouco nos seus quatro episódios, tão interessante foi a intriga e, sobretudo, tão grata se mostrou a oportunidade para ver o desempenho de excelentes atores: Frances McDormand, Bill Murray e Richard Jenkins.
Na altura contentei-me com o usufruto da série, escapando-me que tratava-se da versão televisiva de um romance de Elizabeth Strout galardoado com o Pulitzer de 2009. Recolhi a informação ao ler «Tudo é Possível», o romance de 2017, que mereceu então o enfático elogio de Barack Obama (valha isso o que valer!).
Passado em Ambash, no interior do Estado do Illinois, recupera uma protagonista já apresentada no romance anterior («My Name is Lucy Barton», 2016) e assenta numa construção narrativa singular: sempre desenvolvido na omnisciente terceira pessoa, vai fazendo suceder os capítulos de personagem em personagem como se elas passassem um invisível testemunho de mão em mão de forma a, no final, todas se interligarem. Na prática o romance mais não é do que o somatório dos vários contos, que correspondem a outros tantos capítulos.
Lucy torna-se numa escritora de sucesso, mas não consegue dissociar-se de todo o sofrimento suscitado por uma infância profundamente infeliz ao sentir-se desconsiderara pelos vizinhos, que desprezavam-lhe a família pela pobreza em que viviam. Esta é a América em que crianças andam ao lixo para encontrarem com que mitigar a fome e, mesmo nos mais abonados, a incapacidade para serem felizes é regra universal.
A segmentação social em classes distintas pode servir para que alguns se sintam confortados com o ascendente relativamente aos que os olham de baixo, mas a ilusória satisfação não lhes mitiga a conjugalidade infeliz ou a incapacidade para comunicarem com os outros, mesmo tendo com eles laços familiares.
Quando Lucy volta a Ambash numa provável tentativa de reconciliação com o distante passado, a experiência revela-se ainda mais traumática do que quantas a haviam levado dali para fora. E o velho Abel, que apanhara o elevador social ao casar com uma mulher rica, descobre que a empatia acaba por acontecer nas mais inesperadas circunstâncias, mesmo que à custa de um enfarte cardíaco de imprevisíveis consequências.
Ao chegar à derradeira página fica a convicção de ter em Elizabeth Strout uma autora que merecerá atenção quanto aos títulos que dela possamos ter ao alcance...

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