sexta-feira, janeiro 24, 2020

Auditórios: O método Abramovic


Existem muitas razões para que um concerto de música clássica fique comprometido por muito excelentes que sejam os artistas e as peças executadas. Basta haver quem se esqueceu de silenciar o telemóvel e surge aquela inoportuna chamada num momento particularmente emotivo da interpretação. Ou quem se põe a ver os essemésses ou as horas, distraindo-nos a atenção com a súbita luz desse ecrã. Ou quem não se preveniu com pastilhas para evitar as antipáticas tosses.
Foi a pensar nessa facilidade com que, enquanto espectadores e ouvintes, nos podemos distanciar da obra em execução, que Marina Abramovic concretizou um projeto na Alte Opera de Frankfurt em março do ano transato: durante uma semana dois mil voluntários dispuseram-se a explorar novas formas de viver a música. Foram assim cobaias do que a artista sérvia designou como o Método Abramovic, fundamentado em sucessivos exercícios pelos quais puderam dissociar-se dos estímulos secundários e concentrarem-se nos que deveriam merecer a sua atenção: os sons produzidos pelos diversos instrumentistas. Entre a meditação perante painéis monocromáticos e as movimentações em câmara lenta, os cruzamentos de olhares com outros participantes e a contagem de centenas de grãos de arroz, foram moldando a mente para, no dia do concerto, escutarem-no com potenciada atenção.
Ademais, retiradas as cadeiras do vasto auditório, os concertistas, os chamados embaixadores, que a todos orientavam, e os espectadores distribuíram-se aleatoriamente pela sala, adotando as posições que melhor lhes conviessem: uns sentados, outros deitados, todos afiançam ter vivido experiência inolvidável.
No final ficou a dúvida: poderia o projeto enquadrar-se nas muitas performances, que tornaram Abramovic numa espécie de popstar  da arte contemporânea? Ninguém arrisca uma resposta, mas há quem aposte na forte probabilidade deste método se replicar em novas ocasiões inovando a experiência de assistir a concertos de música clássica. Porque, na realidade, costuma haver neles tanto ruído que a fruição do que deles esperamos colher sai prejudicada...

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