terça-feira, janeiro 21, 2020

Diário de Leituras: «Monsieur les deux chapeaux» de Alice Munro


Alice Munro apresenta-nos personagens comuns. Ou não tanto assim como depressa sobre elas descortinamos. Porque concluímos haver alguma singularidade, quando ficamos a saber que o professor de ginástica Colin é implicitamente admoestado pelo diretor por Ross, o irmão contratado como jardineiro, andar singularmente trajado com dois chapéus enquanto corta a sebe, que define o perímetro da escola. Ademais, ainda ouve que o visado com essas críticas possui uma noção de horários muito própria.
A princípio Colin procura a ajuda da mãe para que inste o irmão a portar-se de forma mais canónica. Mas Sylvia sempre protegeu o filho mais novo das críticas alheias, rapidamente refutadas pela convicção dele ser um autêntico génio no que às coisas da mecânica e da eletricidade dizem respeito.
De Glenna também não pode esperar grande apoio, tanto mais que, em vez de se preocupar com a requalificação da casa, que haviam há pouco ocupado, parece mais disponível para ajudar o cunhado na transformação de dois montes de sucata num carro a sério, um Camaro vermelho, que poderá representar um enorme perigo para quem nele arrisque aceitar uma boleia: Ross está decidido a montar um motor demasiado potente para a carroçaria, que o irá transportar.
Se relativamente aos reparos quanto aos trabalhos na escola, Colin desiste de alterar o que quer que seja, melhor resultado não consegue quando se trata de evitar o desastre que uma colega anuncia durante o jantar com todos eles nessa mesma noite. É que nem Eddie, o amante da mãe, nem a própria Glenna manifestam a mínima intenção de intervir. Pelo contrário, da esposa, Colin recebe o conselho de deixar Ross cumprir o seu projeto sejam quais forem as consequências.
E estamos assim perante um exemplo elucidativo da ficção de Alice Munro: as personagens vivem entre a banalidade do presente e o que a possa pôr em causa num futuro potencialmente diferente, mas ao qual se acomodam sem intenção de o alterarem.

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