sexta-feira, janeiro 31, 2020

Diário das Imagens em Movimento: «Nenhum Homem era dela» de Mitchell Leisen (1950)


Soberba foi a época em que a indústria cinematográfica norte-americana socorreu-se dos romances policiais de escritores talentosos e criou um género - o do filme negro! - que serviu de válvula de escape quando os piores fantasmas do macartismo assaltaram Hollywood e fomentou a nefanda Lista Negra.
O autor do romance, que permitiu ao competente artesão Mitchell Leisen a criação deste filme, foi Cornell Woolrich e isso bastou para garantir uma intriga bem construída. E depois contou com Barbara Stanwyck, atriz sempre dotada para este tipo de papéis dúplices, entre a vontade de agir de uma forma e as pressões, que a obrigam a comprometer-se nos gestos contrários.
O filme começa logo por nos confrontar com um dilema: há um bairro tranquilo numa cidade de província e, numa das mansões mais vistosas, um casal sabe que a polícia está prestes a chegar para os vir buscar. Tudo se conjuga para que possam ser felizes, mas os acontecimentos precipitavam-se para de tal os impedir.
Temos, então, o flash back, que nos faz recuar ao dia em que Helen Ferguson, grávida de oito meses, foi escorraçada pelo amante, já rendido aos encantos de outra rival.
Regressando a São Francisco, donde era natural, ela é uma das poucas sobreviventes do acidente ferroviário, que mata nomeadamente o casal Harkness, por quem fora acarinhada no breve trecho da viagem em que os conhecera.
Em coma é identificada como Patrícia Harkness, que fazia essa viagem para conhecer a família do marido, até então sua desconhecida. E, porque essa vítima do acidente também estava grávida de sete meses, ninguém estranha que o seu bebé fosse identificado e recebido com entusiasmo pela família desse defunto casal, que vê na «nora» e no «neto» a compensação para as dolorosas perdas sofridas.
Nos meses seguintes a integração de Helen no papel de Patrícia decorre quase sem incidentes, embora alguns lapsos ponham de sobreaviso o irmão de Hugh Harkness, e seu quase sósia, que desconfia da verdadeira identidade da «cunhada». Mas, porque ela encanta-o nada diz e até a vai ajudar quando o ex-amante dela aparece na cidade a chantageá-la de forma a abocanhar parte significativa da potencial fortuna, quando os velhos sogros morrerem. Numa noite em que Steve forçara-a a um casamento, que o oficializa como co-herdeiro do que a ela couber nessa circunstância, acaba morto a tiro e compreendemos ser essa a razão da iminente chegada da polícia no início do filme.
Helen não pode mais esconder de Bill o logro que, quase involuntariamente, construíra, mas ele reage com a elevação de quem está enamorado: “"I don't care who you were, what you've done. I love you, don't you understand ? I love you (...) As far as I'm concerned you were born the day I met you. What happened before doesn't even exist. The name the girl I love is Patrice. She has no other name."
Como seria de esperar o happy end é o que mais afeta a verosimilhança da história, embora desde início soubéssemos da promessa da sucessora feita a Steve pela nova amante: tentasse ele escorraçá-la como o vira fazer á antecessora e não enfrentaria a mesma passiva resposta. É o que a polícia vem revelar para alívio das plateias dos cinemas em que o filme se estreou: fora ela a antecipar-se à rival na decisão de matar o amante tão só soubera do súbito casamento.
Os espectadores dos anos 50 não estariam disponíveis para outro desenlace, que não esse.

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