quinta-feira, janeiro 09, 2020

Diário das Imagens em Movimento: «O Museu do Prado» de Valeria Parisi


Com uma dicção pomposa, demonstrativa de quanto o avançar dos anos só tem vindo a agravar o que já nele causava tanta irritação, Jeremy Irons anuncia que o rei Filipe II decidiu mudar a corte de Sevilha para Madrid em 1561, recusando os conselhos dos cortesãos que o instavam a escolher como capital Toledo... ou Lisboa.
Temos assim um filme que desconhece haver então um reino em Portugal e que, mesmo tendo um rei apenas com 7 anos - Sebastião - ainda nada indicava que ele decidiria partir para o norte de África dezassete anos depois para mostrar aos muçulmanos os talentos dos seus súbditos na interpretação das guitarras. Isto se acreditarmos que, em Alcácer-Quibir, apodreceram milhares de violas ao inclemente sol, depois dos seus donos mostrarem que podiam ter unhas para elas, mas não tanto para terçarem as suas espadas.
As imprecisões não se ficam por aí: revelando uma sintonia com os fascistas do Vox que, por estes dias, espalharam cartazes no país vizinho com um mapa dando-o como dono de toda a Península, o mesmo Jeremias trata de proclamar o sucesso dos Reis Católicos em 1492 ao ocuparem Granada e assim “unificarem” toda a Península Ibérica. Uma vez mais ignora-se que aí existia há mais de trezentos e cinquenta anos o Reino de Portugal.
Os mais complacentes para com os dislates do anfitrião do filme dirão que eles são pouca coisa perante a sucessão de obras do Museu, que vão desfilando perante o nosso olhar. Mas o que se diz de Velasquez ou de Goya, de Zurbaran ou de Ticiano é de uma tal vulgaridade, que não disfarça o verdadeiro propósito do documentário: “épater le bourgeois”, como dizem os franceses para melhor exprimir essa vigarice de se convencerem os papalvos quanto a estarem a ter uma interessante tarde cultural, mesmo que, passado um quarto de hora, já nada lembrem do que ali viram ou ouviram referenciado. 
Reconheça-se, porém, uma virtude no filme: ao deixar um tão forte sabor a pouco, suscita a vontade de apanhar o avião e passar um par de dias no Museu para ver e sentir aquilo que ele não consegue dar. E aí temos de dar a mão à palmatória: como vistosa ferramenta publicitária, cumpre perfeitamente o seu papel...

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