domingo, janeiro 19, 2020

Diário das Imagens em Movimento: Realidades antárticas, egípcias e romenas


«Expedição Antártica», um documentário de Luc Jacquet sobre uma expedição científica e fotográfica ao arquipélago da Pointe Géologie no continente mais austral da Terra, impressiona, sobretudo, pela proeza física de quem nela participou. Porque as temperaturas e as tempestades são aí tão agrestes, que podemos adivinhar até que ponto os corpos se sujeitaram a rude desafio.  Vincent Munier teve de suportar ventos de 150 kms/h para colher a estratégia resiliente dos pinguins-imperador de se encostarem o mais estreitamente uns aos outros para se aquecerem. E Laurent Ballesta sujeitou-se a ficar fechado na armadilha mortal do gelo, acaso se fechasse a estreita abertura por onde passou para colher as imagens da estranha zoologia do fundo marinho a 70 metros de profundidade. E não podemos esquecer que, para colherem essas imagens fotográficas, um e outro fizeram-se acompanhar de vários cúmplices, que lhes serviram de apoio e possibilitaram este documentário. O resultado é extremamente belo, se visto num grande ecrã, que preste justiça à majestosidade das paisagens e sem os incómodos de rigores meteorológicos, que só aqueles verdadeiros heróis suportaram.
Outro tipo de fascínio foi o proporcionado por um documentário da National Geographic, que testemunha os trabalhos arqueológicos de uma equipa da Universidade de Basileia ao porfiar na investigação de um tumulo da época de Amenhotep III já descoberto, mas rapidamente abandonado à sua sorte por se julgar nele nada haver de interessante. Afinal tinha espaços subterrâneos inexplorados onde se acumulavam os despojos de diversas mulheres mumificadas. Uma delas seria, segundo os hieróglifos ali decifrados, uma cantora do templo de Amon chamada Nehmes Bastet, que teria oficiado os rituais do templo de Karnak durante a 22º dinastia, ou seja algures no período compreendido entre 945 e 712 a.C. O que demonstra haver ainda muito para descobrir no Egipto em relação ao seu passado remoto, mesmo sabendo-se os investigadores condicionados pelos turbulentos acontecimentos políticos regularmente impeditivos de poderem trabalhar com o devido recato.
Reação distinta suscita-me «Le Retour», o filme que Dobrivoie Kerpenisian rodou na sua aldeia natal, Sinpetru Mare, situada a 45 kms de Timisoara.
Em 1989 era estudante de fotografia na Alemanha, quando foi visitar os avós aí vivendo a revolução, que derrubaria o regime de Ceausescu. A oportunidade para criar um portfolio com esse levantamento popular foi-lhe providencial, sendo muitos os rostos exaltados dos que, repudiando a pobreza em que viviam, sonhavam com um futuro completamente diferente.
O filme do ano transato é o do seu reencontro com essas mesmas pessoas para lhes auscultar as opiniões sobre a participação nos eventos e a memória que deles guardam. E não é de espantar que nenhum deles se sinta verdadeiramente herói de algo para que se viram arrastados sem verdadeira consciência do alcance dos seus atos. Não se diz, mas facilmente se constata a intervenção clandestina de quem agiu na sombra para aproveitar a incompetência criminosa de Ceausescu e sua clique forçando a mudança para o capitalismo na sua versão ocidental que, de acordo com os testemunhos captados por Kerpenisam nunca satisfez sequer a aproximação aos sonhos desmedidos de então. A União Europeia conseguiu expandir os negócios graças à cooptação dos países outrora sujeitos à tutela soviética, mas os seus povos - excetuando os antigos dirigentes comunistas, reciclados em grandes empresários de «sucesso» - pouco ganharam com a transformação. E, nesse sentido, compreendo melhor as palavras de alguns eletricistas romenos, que comigo trabalharam, quando fui diretor de uma grande empresa de Manutenção de edifícios, e me louvavam os tempos de Ceausescu com tal convicção, que cheguei a ponderar até que ponto não teriam pertencido á sinistra Securitate.
O filme de Kerpenisam lembra, uma vez mais, quão diferente é a História do último meio século europeu se quisermos colocar alguma atitude sofista a respeito da versão politicamente correta, que nos tem sido bombardeada de forma indecorosamente maniqueísta...

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