sexta-feira, janeiro 24, 2020

Diário das Imagens em Movimento: Robert Doisneau, o artesão que se fez Artista


O grande fotógrafo, que associamos à fotografia do beijo trocado entre Françoise Bornet e Jacques Carteau tendo por trás o edifício da Câmara Municipal de Paris e ilustrativo da aura romântica dos inícios dos anos 50, é o exemplo perfeito do artesão capaz de ascender à condição de genial artista. Porque, sem nunca ter tido formação para o exercício da fotografia, Doisneau construiu em si a capacidade de olhar à volta e vislumbrar uma beleza à partida difícil de aí discernir. Quem o diz é Sabine Azéma, a atriz que foi sua amiga e partilhou com ele o transporte para o local das filmagens de uma obra de Bertrand Tavernier em Maintes-la-Jollie. Ao longo desses 50 kms viveu sucessivas aulas sobre a forma de apreender a paisagem cuja beleza lhe fora até então inacessível. Porque, mais do que os edifícios feios, ele deu-lhe a ver o efeito da luz refletida em tudo quanto com eles se cruzava, realçando esta ou aquela cor.
Jean-Claude Carrière, outro dos entrevistados de Clémentine Deroudille, a neta do fotógrafo, que dele traçou uma evocação terna em Robert Doisneau, o Rebelde Maravilhoso, recorda-lhe um sábio ensinamento: em jovem dá-se demasiada atenção ao detalhe, mas a idade tende a focalizar-nos nele como parte de um todo a levar ainda mais em conta.
Percorrendo os portfolios de Doisneau sujeitamo-nos ao inesgotável espanto quanto à beleza das fotografias a preto e branco onde atentamos em personagens invariavelmente em movimento ou a convidarem-nos para nelas identificarmos os diferentes olhares. Como naquela em que há um homem a transportar um cão pela trela que nos fixa diretamente, enquanto o dono dedica a atenção ao quadro de um pintor que, à beira de uma ponte, afere a paisagem do rio na sua tela. Numa só imagem descortinamos quatro olhares: o do cão, o do dono, o do pintor e o nosso que a todos vê.
Mesmo quando se dedicou a fotografias coloridas Doisneau soube especificar-se na forma de olhar: o que nelas descobrimos são jogos contrastados de poucas cores capazes de lhes conferirem as características dos novos arrabaldes e cidades periféricas, que iam surgindo para lá do péripherique, construído entretanto sobre o bairro onde vivera uma ambivalente infância.

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