segunda-feira, janeiro 27, 2020

Diário de Leituras: "Jesse e Meribeth" Alice Munro


Em «Jesse and Meribeth» a autora canadiana explora um tema glosado com alguma frequência nos seus contos: o relacionamento entre miúdas em idade escolar. Logo de início Jesse, a narradora, conta como lera profusa literatura sobre como as raparigas criavam entre si intensas amizades, que se aprofundavam nos segredos só por elas partilhados. E eles tinham a ver com os primeiros, e imaginários, amores como constataremos ao longo da narrativa. Por isso muitas dessas empatias prosseguiriam vida adentro, mesmo quando se veriam já casadas e mães das respetivas proles.
Não será esse o desenlace, que ocorrerá com Meribeth, que se tornara sua colega de carteira, quando ambas estavam nos catorze anos e a fascinara com as suas roupas elegantes e requebros cosmopolitas, nela ausentes por nunca ter, até então, saído da pequena cidade. Porque, um dia, a rapariga que viera de Toronto para acompanhar a irmã, enfermeira, para ali transferida, quebrara uma das regras essenciais da amizade: reconhecera que, se a princípio, começara por acreditar nas invenções de Jesse a propósito do assédio do sr. Cryderman, a cuja esposa fazia alguns trabalhos domésticos depois das aulas, depressa entendera tudo tratar-se de uma mistificação. Ora essa confissão acontecera, precisamente, quando Jesse se vira, efetivamente, acercada pelo pretenso escritor sem a galanteria por ela conjeturada, sentindo-se pelo contrário ultrajada.
Não admira que, uns quatro anos depois, quando se reencontrara com Marybeth na pequena cidade onde voltara brevemente durante as férias da Universidade para que conseguira uma bolsa, as duas sentir-se-ão demasiado artificiais a conversarem entre si, cientes de ter-se cavado um abismo, doravante intransponível.
Em duas dúzias de páginas Alice Munro insere-nos numa época e num espaço provinciano em que identificamos muitas das idiossincrasias de um passado nosso conhecido, quando éramos, nós próprios adolescentes. O da curiosidade perante as desconhecidas vicissitudes sexuais, pressentidas como muito diferentes das que, enquanto jovens adolescentes, poderíamos congeminar...
(este é mais um dos contos inseridos na coletânea «O Progresso do Amor», editado pela Relógio de Água)

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