quarta-feira, janeiro 15, 2020

Diário de Leituras: Paisagem marítima com farol ao fundo


Ao pensarmos em Virginia Woolf temos sempre presente a expressão triste, que a acompanhou em grande parte da vida e potenciada na depressão suicida, que lhe abreviaria os dias de forma tão trágica. E, no entanto, ela recordaria sempre o quanto fora feliz na infância, sobretudo quando a família apanhava o comboio e passava longas temporadas na Talland House, à beira da praia de Porthminster na Cornualha. Dela tinha uma panorâmica privilegiada sobre toda a extensão marinha à sua frente, mormente do farol de Godrevy Point, que constituiria um papel tão relevante num dos seus romances mais exaltantes.  «Rumo ao Farol» é, de facto, uma luminosa evocação desse passado, que terminaria abruptamente com a morte da mãe, quando tinha treze anos.
Enquanto durou, esse período significou a liberdade dos constrangimentos inerentes à vida em Londres, dando a ela e à irmã a ideia de poderem vir a fazer tudo quanto ambicionassem. E que não passaria por um futuro de dona-de-casa do tipo das que lhe serviriam de modelo para criar a personalidade de Clarissa Dalloway. As duas irmãs estabeleceram então um pacto em como viriam a dedicar-se à pintura e à literatura. E assim seria: Vanessa ocupar-se-ia dos pincéis e das telas, Virgínia das palavras. Mas sem se impedir de dar superior importância ao lado visual: os seus romances abundam em descrições coloridas dos espaços onde evoluem as personagens. Mas também as sensações são profusamente detalhadas, espelhando a herança das prodigiosas emoções colhidas nesses dias memoráveis à beira-mar.
A morte inesperada de Julia Stephen em 1895, quando contava apenas 49 anos, deixou a família devastada e Virginia faria de «Rumo ao Farol» a expressão desse luto como se de catarse psicanalítica se tratasse. De facto, decorreriam dez anos até à altura em que conseguiria regressar novamente à Talland House para constatar a impossibilidade de reencontrar as emoções ali vividas, definitivamente arrumadas no mais acolhedor canto da sua memória.

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