quinta-feira, janeiro 23, 2020

Diário das Imagens em Movimento: "Eles Não Envelhecerão" de Peter Jackson (2018)


Este documentário foi criado para as comemorações do centenário da Primeira Guerra Mundial mas, na altura da sua apresentação, não o vi, embora tenha lido críticas muito positivas. Outras prioridades se interpuseram até esta oportunidade de lhe dedicar hora e meia e reencontrar a realidade terrível por que passou o meu próprio avô na Flandres e cujo testemunho ficou interrompido, quando morreu, tinha eu treze anos e andava a ouvir-lhe, com progressivo entendimento, as vicissitudes ali padecidas.
Peter Jackson pegou em centenas de horas de filmes e entrevistas em áudio conservadas no Imperial War’s Museum e na BBC e comandou o restauro e a montagem, que incluiu a transformação das imagens do preto-e-branco original para um muito credível tratamento das cores.
O resultado da interação entre o impressionante fluxo de imagens e o acompanhamento sonoplástico - não só dos ruídos das bombas e dos tiros, dos gritos e do relinchar dos cavalos, mas sobretudo dos testemunhos em off de muitos dos que os haviam vivido! - resulta numa longa-metragem mais impressiva, que a maioria dos filmes de ficção dedicados a esses quatro anos de guerra.
Constata-se que a maioria dos soldados britânicos eram muito jovens não faltando os que tinham iludido a proibição de alistamento aos menores de dezanove anos, não sendo poucos os que apenas contavam catorze anos.
As imagens também revelam o calamitoso estado dos dentes desses recrutas: sorriem para as câmaras, mas faltam-lhes os dentes da frente ou todos eles parecem num estado calamitoso. Há também a lama omnipresente com corpos despedaçados um pouco por todo o lado. A fome, os cigarros feitos de estrume, as latrinas ao ar livre e o recurso às mãos como substituto do papel higiénico, a cerveja muito aguada, as filas imensas para ir aos bordéis. Nessa realidade terrível a carnificina instala-se como uma espécie de circunstância normal.
E, no final, quando a guerra acabou quase sem darem pelo momento de silenciamento definitivo das armas, esses soldados voltaram para casa e não encontraram quem os quisesse ouvir e, pior ainda, nem sequer lhes dar emprego. No fundo esses quatro anos corresponderam a sucessivas vagas de rapazes de uma geração perdida, que tardaria a reajustar-se a uma sociedade muito diferente da que haviam conhecido ao partirem e pouco disposta a aceitá-los de volta...

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