domingo, janeiro 05, 2020

Diário de Leituras: Nathacha Appanah e o céu por cima da cabeça de um lobo


“Era uma vez um país que construiu prisões para crianças porque não encontrou outra solução que não a de impedir, afastar, privar, restringir, enclausurar e mais um conjunto de coisas só existentes intramuros para que essas crianças viessem a ser adultos honestos, ou seja, que se mantivessem na linha.”
É assim que começa o romance de Nathacha Appanah, que escolheu para o seu nono título um verso de Rimbaud: «Le Ciel Par-Dessus le Toit». E, na página seguinte, depois de constatar que aquelas prisões para crianças foram fechadas e transformadas em jardins, logo outras paredes se levantaram para, sob designação menos chocante, cumprirem a mesma função. Será para uma dessas ditas casas de correção, que o protagonista está a ser levado: “era pois, uma vez, neste país, um rapaz a quem a mãe chamou de Loup. Pensava com esse nome dar-lhe forças, sorte, autoridade natural, mas como poderia saber que esse miúdo iria ser o mais doce e o mais estranho dos filhos, que, qual animal selvagem, acabaria por ser apanhado e levado num furgão da polícia?”
A razão para ali se ver  decorre de ter roubado um carro e conduzido sem carta durante uns quilómetros para ir ao encontro da irmã, Paloma, que já não via há dez anos. Ela saíra de casa e a mãe nunca lhe dera explicações sobre o motivo porque isso sucedera.
Agora com dezassete anos, quase dezoito, poucos lhe dariam mais de doze. E a mãe afinal não o consegue ser, emanando uma luz fria, inatingível. Ela que se chamara Eliette, antes de ser Fénix, havia sido moldada pelos pais para ser uma pequena Lolita dura e indiferente, incapaz de exprimir uma emoção. É para o seu passado, que o romance evolui, demonstrando quão seletivas são as recordações e quão diferentes para  quantos as partilharam. Uns guardam delas agradáveis reminiscências, outros só as podem reviver com sofrimento.
Fechado, sem ver o céu, cuja visão o teto lhe sonega, Loup procura o sentido da vida através da poesia. Por isso, quando olha os outros, não é para lhes ver os rostos, mas para surpreender o que contenham de mais significativo do que a mera aparência. Porfia em ver o que existe na sombra, no que está para além do que é para os outros a realidade.

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