quarta-feira, maio 16, 2018

«Tea Bag, o sorriso da esperança» de Henning Mankell


“E agora que irei fazer?” terá pensado Jasper Humlin ao sair da Estação Central onde se despedira das três raparigas. Estava convencido de que nunca mais as veria. Nem Tea Bag, a nigeriana, que atravessara o norte de África e toda a Europa para chegar a essa Suécia onde fora convencida de que lhe dariam finalmente existência. Ou a gorda Leyla, muçulmana ferreamente vigiada pelo pai e pelos irmãos, mas que deles se decidira a fugir para encontrar o amor nos braços de um sueco tão tímido quanto voluntarioso. Ou Tanja, que viera da Rússia profunda, iludida pela possibilidade de encontrar a ocidente um emprego capaz de lhe garantir uma vida menos miserável do que a conhecida até aí, mas logo enredada na rede de prostituição de que, recentemente, andava fugida.

Conhecera-as graças a Pelle Tornblom, o amigo de Gotemburgo, que possuía um ringue para treino de boxeurs amadores, e logo ansiara fazer delas as protagonistas do seu novo romance, aquele que pretendia efetivamente publicar em vez do policial que o editor, Olaf Lundlin, queria vê-lo escrever. Para quê perder tempo em intrigas com criminosos e detetives à mistura, se as experiencias  das refugiadas se revelavam muito mais interessantes e coladas à realidade? De uma vez por todas tinha de impor a sua vontade contra todos os outros, até então decididos a condicionarem-lhe todos os passos. Provavelmente teria de rescindir com a editora em que sempre publicara os poemas, agora comprada por empresa petrolífera francesa disposta a garantir rápido retorno do investimento. Por isso, a ele que nunca vendera mais do que mil exemplares de cada um dos seus livros, era exigido uma historieta vendável, que alcançasse os pináculos das listas de livros mais vendidos.
Andrea também seria provavelmente descartável, porque pretendia um filho e uma relação mais estável e ele não estava preparado para lhe oferecer nem uma coisa nem outra. E que dizer de Anders Buren, o vigarista a quem confiara a gestão de todas as poupanças e as reduzira a quase nada com as suas apostas em ações de empresas em contínua perda de valor. Até o próprio Pelle o forçara a iniciar as aulas de Escrita Criativa às raparigas, que concentrara nas suas instalações, verificando-se o paradoxo de a ideia para o seu novo título não lhe ter surgido do nada, antes espicaçada pela iniciativa do amigo.
Só não poderia prescindir de Märta, já que era sua mãe, não sendo possível dissocia-la de tal condição. Mas que dizer de uma octogenária, que criara com as amigas, igualmente do seu escalão etário, uma empresa para vender sexo pelo telefone, passando as noites a gemer convictamente de forma a garantir os orgasmos dos clientes dispostos a pagarem-lhe para a ouvirem?
Quando «Tea Bag e o sorriso da esperança» se conclui é tudo isto que podemos imaginar: Mankell deixa em aberto o futuro do protagonista, que é uma espécie de seu alter ego, porquanto não podemos esquecer que foi autor prolífero de romances policiais (mormente os protagonizados pelo detetive Wallander), expediente apropriado para ganhar o sustento e subsidiar as atividades culturais desenvolvidas em Moçambique. Como não ver em Jasper um seu irmão gémeo, bem mais renitente em escrever best sellers  do que ele próprio?

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