domingo, maio 20, 2018

(DL) Os comprometedores pecadilhos de um filósofo


Quase setenta anos passados sobre a morte do filósofo Alain, foram publicadas há pouco tempo as até então desconhecidas memórias, que levantam sérias reservas sobre um pensador cujas ideias tinham sido tão aclamadas no período compreendido entre as duas guerras mundiais por estar conotado com as ideias de esquerda reivindicando-se radical-socialista e pacifista. A surpresa foi descobrir nestes escritos inéditos o quão opostos eram os seus propósitos pois não só se revelava antissemita como entusiasmado com a leitura do «Mein Kampf» em 1940, quando metade da França estava sujeita à Ocupação e a outra liderada por um governo fantoche a soldo dos nazis.
Seguindo a habitual metodologia de aprofundar o tema da sua investigação de fio a pavio - ou seja tudo quanto esse autor terá escrito e grande parte do que sobre ele outros comentaram - Michel Onfray assinou um ensaio pertinente. Em «Solistice d’Hiver» explica como Alain pegava num caso qualquer, o pensava no que significava nas várias camadas de leitura e daí partia para uma reflexão mais abrangente, alargada na generalização às conclusões a que chegara. Ao ler as muitas páginas das Memórias, Onfray descobriu que o antissemitismo de Alain germinara logo na entrada da École Normal Supérieure por ai encontrar colegas judeus muito mais dotados do que ele. Igualmente elucidativa a antipatia por Bergson e Einstein, por causa da sua origem judaica.
Se em 1940 ainda era possível cometer o erro de análise, que Alain então fazia devido ao prestígio, que Pétain ainda detinha, à antipatia por De Gaulle, e sobretudo o imperativo de não se repetir a carnificina de 1914-18, que conhecera por se ter então alistado para os combates nas trincheiras, Alain deveria ter capacidades de distanciamento, que o livrassem das suspeitas de simpatias para com os ocupantes.. Mas  o preconceito perduraria, mesmo que ao contrário de Céline, nunca tenha dado conhecimento público do que efetivamente pensava, nem colaborado de facto com as autoridades de Vichy.
A questão levantada pelo conhecimento destes seus escritos pessoais é se eles desqualificam os demais textos, algo que ninguém se atreveu a propor até agora. Mas fica a mancha, que levará os estudiosos a nunca mais conseguirem  analisar-lhe o pensamento sem tomarem a devida nota da predisposição antijudaica, que , desde cedo alimentara lá bem no fundo de si.

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