segunda-feira, maio 07, 2018

(DL) Alice a passear no Tamisa com o seu criador


A origem de Alice, que descobriria maravilhas e iria ao outro lado do espelho, situa-se a noventa quilómetros de Londres, surge meio perdido no campo inglês e recebe anualmente 23 mil estudantes vindos de todo o mundo, atraídos pela propalada excelência da educação aí facultada: Oxford. Foi nessa terra dedicada aos saberes que, em 1862, o matemático Charles Lutwidge Dodgson, até então conhecido por contar estórias imaginativas, criou uma, que imortalizarou o pseudónimo com que a assinaria: Lewis Carroll.
Publicado em 1865, enquanto história infantil de contornos surpreendentes para o que eram os padrões do género, «Alice no País das Maravilhas» logo se converteu num enorme sucesso. Os leitores seus vizinhos não tiveram grandes dificuldades em situar a ação das aventuras da protagonista naquela mesma cidadezinha de província, ela própria eivada do fascínio pela excentricidade.
Charles Dodgson conhecia Oxford por dentro e por fora: durante quarenta anos desenvolveu sério trabalho universitário num dos seus principais colégios em que todo o complexo se divide: Christ Church.
Além de professor e diácono ele era um reputado fotógrafo e foi numa dessas sessões com que frequentemente se deleitava, que teve um encontro determinante capaz de lhe estimular a criação:  as filhas do reitor do seu próprio colégio, vieram-no interpelar, curiosas quanto ao que estava a fazer com tão estranho equipamento.
A principio irritado pela interrupção, logo se decidiu a fotografá-las de forma a satisfazer-lhes o interesse, de forma voltar a dedicar-se sem demoras ao trabalho a que se propusera. Não imaginou, nesse momento, que uma das miúdas, Alice Liddell, se converteria em sua amiga muito próxima. Seria ela a verdadeira Alice no País das Maravilhas com que empreendeu uma crítica inteligente ao conservadorismo da sociedade vitoriana, tanto mais que filtrada pelos olhos inocentes de uma criança. É ela quem olha para o mundo dos adultos e o ajuíza como habitado por gente um bocado doida. É assim que Carroll consegue distanciar-se dessa realidade em que, ao mesmo tempo se inseria, mas que olhava com uma perspetiva crítica bem evidente na sua criação.
As aventuras da personagem eram congeminadas pelo escritor, quando costumava passear de barco no Tamisa com Alice e as irmãs, tendo sido particularmente frutífero o passeio do dia 4 de julho de 1862: foi durante o piquenique com as raparigas, que lhe surgiu a ideia da toca de coelho por onde Alice cairia desamparada. Ele recordaria depois, que a ideia lhe surgira e ficara siderado sem saber o que se seguiria a essa queda sem fim.
Terá sido noutro passeio com Alice, que Carroll ganhou inspiração para outro episódio relevante da história, porque estavam no museu e a rapariga manifestou particular interesse pelo dódó, ave desaparecida de Madagáscar de que ali estava um esqueleto reconstruído. Surgiu-lhe assim a ideia do personagem douto e pomposo, à imagem de muitos dos seus colegas. Mas quiçá, ele próprio, via-se um pouco assim, cansado e anacrónico num mundo em acelerada mudança.

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