quarta-feira, maio 23, 2018

(DL) Quando e onde Kipling se tornou escritor


«Tu serás um homem, meu filho». Estes versos famosos do poema «Se» pertencem a Rudyard Kipling que passou parte significativa da sua vida no Paquistão onde compreendeu a importância formativa das viagens.
Lahore pertence ao Paquistão, mas situa-se a apenas 30 quilómetros da Índia, mas antes de 1947, data da  partição do Império Britânico, estava mesmo situada no seu centro. A cidade era uma das mais belas da «joia da Coroa» por conter muitos vestígios sumptuosos do antigo Império Mogol.
Kipling chegou à cidade em 1882 para se reencontrar com a família. Com apenas 17 anos aí viveu cinco anos, os mais determinantes para nele criar a pulsão para a escrita literária. A primeira personagem, que decide traduzir em romance é Kim, um jovem inglês  que percorre a cidade, e depois as regiões a norte. Na prática é o seu alter ego e motiva-o a atravessar todas as barreiras e obstáculos para sair da zona de conforto do bairro colonial e aventurar-se pela Cidade Velha, labiríntica e bem mais fascinante. Nessa época nunca um britânico arriscava sair do lado da estrada, que dividia uma parte da cidade - a europeia - da outra, habitada pelos indo-paquistaneses.
Ele nascera em Bombaim em 1865 e esperava reencontrar em Lahore a mesma atmosfera exótica e calorosa da primeira infância de que fora apartado aos seis anos para se ver internado num severo colégio em Inglaterra. No regresso à Índia, na condição de estagiário de jornalismo, toma consciência da situação desigual entre quem usufruía de todos os direitos e os que só se obrigavama cumprir os deveres. Essa tão ostensiva contradição choca Kipling, que fica espantado com  a réplica intentada pelos seus compatriotas para, a tão grande distância, mimetizarem a arquitetura, os hábitos e costumes da velha Albion como se nela ainda se encontrassem.
A exemplo do seu criador, Kim é um jovem britânico incomodado com o rigor vitoriano do bairro colonial e uma predisposição genuína para mergulhar a fundo no universo do dédalo habitado pelas classes populares. Mas como o pai de Kipling era o diretor do Museu da cidade, ao visitá-lo o jovem contactava com os impressionantes objetos ilustrativos da cultura milenar pela qual sentiu imediato fascínio. Tanto bastou para que intuísse a riquíssima História dessa terra de acolhimento. Na mesquita descobriu a elegância incomparável dos seus azulejos com apenas duas cores: o branco e o azul. E quis atravessar outra fronteira: a da realidade com a da busca espiritual. Depois de ter conhecida o hinduísmo em Bombaim, é o islamismo que o interessa em Lahore. As intervenções dos muezzins têm nele ouvinte atento espantando-o o sentido de disciplina dos vizinhos, que se levantam muito cedo para rezarem antes de se irem dedicar às suas atividades quotidianas.
Horas a fio vagueava pelas ruas para se inebriar com os sons e aromas de uma cultura tão diferente daquela a que se havia habituado. Como jornalista essas experiência moldaram-lhe um outro estilo, que não tardaria a transpor para a ficção. Mas também conheceu o amor carnal junto das jovens cortesãs, bem mais eruditas do que as suas concorrentes ocidentais. Elas deram-lhe matéria para novelas tendo por tema os amores de jovens britânicos com belas indianas, que correspondem a outra transposição de uma linha vermelha, a das relações interrraciais.
O facto de superar diversos tabus não o impediu de ver-se galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1907.


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