terça-feira, maio 29, 2018

(S) «Os Tempos que Mudam» de André Téchiné (2004)


Entre o terceiro álbum de Bob Dylan - The Times They Are a-Changin' -, publicado em janeiro de 1964, e esta décima sétima longa-metragem de André Téchiné, estreada em 2004, distam quarenta anos, que dizem bem como tanto se alterou nesse intervalo de tempo. Em vez de se lutar pela transformação do mundo à medida dos desejos de quem erguia barricadas e enfrentava a polícia de choque, passaram-se a aceitar passivamente as metamorfoses impostas por essa mesma realidade dinamizada, por forças que não as dos movimentos contestatários dos anos 60. Até o próprio Dylan se sujeitou a essa rendição, porquanto não só depressa se fez acionista de empresas de armamento cotadas nas Bolsas, como se entregou a uma misticismo beato, que surpreendeu os seus mais entusiásticos prosélitos. Que essa cobardia se tenha visto galardoada com o Prémio Nobel da Literatura é daqueles absurdos só explicáveis pela conhecida degenerescência do Comité responsável pela esdrúxula decisão e culminada na não atribuição do Prémio no ano em curso.
Neste título com que, no Cineclube Gandaia, se encerra o ciclo de maio dedicado ao cinema francês,  temos um triângulo amoroso, que tem por dois dos vértices os personagens interpretados superlativamente por Catherine Deneuve e Gérard Dépardieu. Ela é Cecile, que vive uma tranquila vida conjugal em Tânger, com um médico marroquino, não aparecendo como disponível para grandes sobressaltos afetivos. Ele é Antoine, que muito a amou trinta anos atrás, jamais a esqueceu e está decidido a procura-la a fim de a recuperar e com ela viver os anos crepusculares, que lhes restam. Estão pois em causa as respostas a algumas questões bem claras: pode um amor da juventude durar para a vida? Existe alguma viabilidade na recriação de um amor que se viveu e se procura renascer? Pode o amor não recíproco ganhar essa correspondência dual através do estímulo de um dos parceiros, suficientemente impressivo para contaminar o que se revela mais recalcitrante?
Como haveria que encontrar matéria para preencher os cem minutos de filme - de outra maneira condenado à dimensão da média, senão mesmo curta metragem -, Téchiné explora estórias alternativas, que lhe consolidem dois propósitos: ecoar a narrativa principal e contextualizá-la na realidade que  lhe fica em plano recuado. Surge assim Sami, o filho de Cécile e de Nathan, vindo de Paris para, a exemplo de Antoine, convencer o amante a render-se-lhe novamente. A temática queer tem aqui expressão como é frequente no conjunto da obra deste realizador. Por outro lado  Nadia, que acompanhava Sami, procura a irmã gémea, rendida ao fascínio do islamismo radical.  Além dessa ascensão da religiosidade extremista, que inflamaria o Magrebe nos anos seguintes, Téchiné dá, igualmente, conta do movimento migratório dos africanos do sul do Sahel, pressionados pela miséria a buscarem o El Dorado do outro lado do Mediterrâneo.
Há uma nítida confrontação entre gerações, não sendo fácil encontrar convergências de valores entre os mais velhos e os mais novos, mesmo quando uns e outros buscam a felicidade. E, ao contrário de outros filmes em que dava espaço aos personagens para se entregarem à contemplação, aqui tudo se passa muito rapidamente, com a montagem nervosa a acentuar a circunstância de todos, a seu modo, se encontrarem no fio da navalha.

Sem comentários: