sexta-feira, maio 11, 2018

(DL) Há 150 anos Dostoievski andava a escrever «O Idiota»


No mínimo estimulante a proposta de leitura de «O Idiota» de Fedor Dostoievski por Gary Saul Morton na «The New Criterion» deste mês. O artigo decorre de passarem cento e cinquenta anos desde que o escritor enviou ao seu editor os primeiros capítulos daquele que seria um dos seus mais importantes romances. Na altura ele andava fugido da Rússia com a segunda esposa, Anna Grigorievna, porque os credores não poupavam esforços para lhe exigirem o pagamento das avultadas dívidas. Ademais não era apenas a si, a Anna, e à filha de ambos, Sonya, que tinha de garantir o sustento, já que também se responsabilizava pela do filho da primeira esposa e pela família do irmão, entretanto falecido. Daí as dificuldades de encontrar suficiente serenidade para se dedicar ao novo romance, até porque os ataques epiléticos o continuavam a acossar com desusada frequência. Ademais, e ao contrário do que Anna esperara, o vício do jogo não estava debelado, continuando a roleta a levar-lhe os poucos rublos que o diário de Katkov, com quem assinara contrato para uma história em folhetins, lhe ia prodigalizando.
Entre 1867 e 1868  Dostoievski, Anna e Sonya tinham-se visto obrigados a mudar de casa por cinco vezes, sempre escapando a senhorios a quem haviam deixado a renda por pagar. Anos depois, ele confessaria a culpa de não ter-se comportado de outra forma, pois a filha morrera como consequência das privações a que a sujeitara.
«O Idiota» tem por protagonista o príncipe Myashkin, que lida com o autor dos piores crimes, do incêndio criminoso ao estupro, e a quem ambiciona devolver ao reencontro com Cristo e com a sua bondade original. O objetivo da trama seria a de enaltecer o ideal cristão, capaz de suplantar os mais sombrios pecados. Mas a indulgência com que procura levar os mais pérfidos ao caminho do bem acaba por se revelar paradoxal, porque a todos, mesmo aos que inocentemente se lhes tinham associado, acaba por destruir.
Ippolit, um dos personagens, que transmitirá a ideia mais consistente do desenlace, conclui que a vida só tem significado e pode ser usufruída na plenitude se entendida como um processo, uma sequência incerta com muitos resultados possíveis e não como algo de previamente bem definido. E esse constitui um desiderato, que terá surpreendido o próprio autor por se mostrar filosoficamente tão diverso daquele que começara por imaginar...

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