quarta-feira, maio 16, 2018

(DIM) «Maltese - Il romanzo del Commissario» de Patrizia Massa e Francesco Morbilli (2017)


Convenhamos que Dario Maltese leva tempo demais a concluir o que pressentíamos como óbvio: quem comandava os cordelinhos da Mafia em Trapani, a cidade onde nascera e para onde decidira voltar quando o melhor amigo acabara de aí ser assassinado, era um antigo amigo do pai, alguém em quem depositava quase ilimitada confiança. Mas a série que a RAI  produziu em 2017 e que os argumentistas procuraram credibilizar, baseando-se em casos reais efetivamente ocorridos na metade ocidental da Sicília nos anos 70 e 80, é quase perfeita na recriação da época e nas interpretações de todos os atores. Até na maior lentidão com que tudo ocorre, porque ainda não existiam os telemóveis com que se facilitariam as comunicações e melhor se coordenariam as ações, quer policiais, quer delinquentes.

O que causa fácil empatia entre quem vê a história e quem a congeminou é essa sensação de impotência perante forças demasiado poderosas para serem beliscadas. Quem não sentiu essa frustração de ver a injustiça perpetrada à sua frente e nada fazer, porque seria fútil suicídio? Personagens secundários por quem nos é sugerida a simpatia morrem barbaramente e suscita-se a tensão latente de acabarmos por ver atingido o protagonista com que facilmente nos identificamos.
Os argumentistas colam facilmente os personagens fictícios aos reais, que nesses anos de chumbo acabaram assassinados pela Cosa Nostra. Não chegam, porém, a aludir explicitamente a essa personalidade sinistra chamada Giulio Andreotti, que tinha tanto de beato, quanto de cúmplice com quem, nesses anos, geria todo o tráfico de droga no sul da Itália, embora o político de Roma vindo expressamente à Sicília para se reunir com os cúmplices possa alvitrar alguma semelhança. Preferindo homenagear os juízes tombados na tentativa de capturar os chefes mafiosos,  os autores evidenciam esse tipo de conivências comprometedoras através do procurador, que obstaculiza tanto quanto possível o trabalho de Maltese, e do presidente da Câmara, um arrivista sem escrúpulos, cioso de operar uma revolução no equilíbrio de forças na organização criminosa: a aristocracia, que tudo comandara até então, vê-se substituída pelos antigos sicários, subitamente conscientes da fragilidade de quem só ostentara a sua força através das ações a eles encomendadas.
É essa uma das maiores virtudes da série que apanha a trama exatamente na altura em que os velhos poderes, já desgastados, estão a ser derrubados pelos que se sentem com argumentos para potenciarem os lucros com violência ainda mais execrável, porquanto nem as crianças poupa. Repete-se a fórmula lampedusiana de se mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. E não deixa de ser habilidosa a manobra de diversão criada pelos criadores da história, quando, até ao fim, nos  insinuam a possibilidade de existir um infiltrado entre os colaboradores mais próximos do comissário Maltese.
Se «Gomorra» era eficiente na demonstração de comportamentos mafiosos, «Maltese» sobrepõe-se-lhe na capacidade de não lhe glorificar os feitos, nem lhe atribuir razões merecedoras de simpatia. Eticamente revela-se mais irrepreensível do que as histórias baseados no romance de Roberto Saviano...

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