quinta-feira, maio 24, 2018

(DL) Existem ou não afinidades nos escritores portugueses dos nossos dias?


Na Feira do Livro de Madrid do ano passado Valter Hugo Mãe dizia algo que não corresponde inteiramente à verdade.: que os escritores da sua geração pouco se relacionam com a sua portugalidade, porque alguns deles poderiam ter outra nacionalidade qualquer dado inserirem as suas estórias em contextos geográficos sem qualquer relação com o nosso. Ele estaria a falar de si, já que tem adotado a Islândia ou o Japão como espaços contextuais das suas narrativas, ou de um João Tordo também ele emigrado como ficcionista do ambiente natal.
Não é isso que constato, por exemplo, em Bruno Vieira do Amaral ou Sandro William Junqueira, que nos têm dado relatos recentes sobre o que é viver em ambientes suburbanos junto de uma população empobrecida e sem grandes expetativas de lhe aparecer pela frente o mirífico ascensor social. Quer em «As Primeiras Coisas», onde ilustra os habitantes do Bairro Amélia, situado algures na Margem Sul, quer em «Hoje Estarás Comigo no Paraíso», o primeiro traça um testemunho realista de uma subcultura olhada pelo narrador como se fosse um ornitólogo relativamente às suas aves. E Sandro William Junqueira em «Quando as Girafas baixam o Pescoço» segue projeto similar tomando desta feita um lote 19, situado num subúrbio parecido com os de Bruno Vieira do Amaral, para dar conta do mesmo impasse existencial em que se veem as suas personagens.
Não se confirma assim essa ilação de Valter Hugo Mãe em como esses autores contemporâneos da literatura portuguesa seriam todos diferentes entre si, dispensando a possibilidade de lhes serem encontradas afinidades. Até porque, nesta mesma vertente, os textos mais antigos de Gonçalo M. Tavares poderão ter servido de inspiração, pelo menos a Sandro Junqueira, bem como os das crónicas de Lobo Antunes, sobretudo quando toma como seus personagens os vizinhos do bairro onde vive ou viveu.
Quer isto dizer que a originalidade de tais escritores afins pode ser discutida? Claro que não, porquanto até mesmo enquanto meros ready mades de objetos pré-existentes as obras de arte, até por comportarem conceitos a eles estranhos, conquistaram o estatuto de serem efetivamente reconhecidas como propostas únicas do ponto de vista artístico.

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