quinta-feira, maio 10, 2018

(DIM) «A Turma» de Laurent Cantet (2008)


Dos realizadores franceses da geração nascida nos inícios dos anos 60, Laurent Cantet é dos mais interessantes. Embora autor de obras tão discretas quanto ele próprio o é.
Ao pensar-lhe na filmografia, além de «A Turma», filme sobre o qual nos debruçaremos mais adiante, recordamos três títulos particularmente interessantes: em «Recursos Humanos» um jovem engenheiro era contratado para a fábrica onde o pai e muitos dos vizinhos trabalhavam e, quando os patrões decidiam despedir muitos deles, via-se subitamente dividido entre a solidariedade com os seus e a tentação de deles se dissociar assumindo-se no novo estatuto de quadro superior. Em «Emprego do Tempo» Cantet adaptava a história real de um mitómano suíço, que convenceu a família da sua carreira de sucesso numa grande organização internacional de que seria um dos mais altos responsáveis, até não os conseguir iludir mais, matando mulher e filhos para por eles não se ver confrontado com a mentira em que duradouramente os enredara. E, mais recentemente, em «Regresso a Ítaca», reunia cubanos desiludidos com o regime castrista com outros, que haviam saído e decidido regressar, todos partilhando reflexões amargas sobre os limites de uma utopia, que não chegara a cumprir-se à medida dos seus pretéritos sonhos.
Premiado há dez anos com o principal prémio do Festival de Cannes, «A Turma» vai ao encontro dos temas mais comuns na obra de Cantet: o fracasso, a derrota do indivíduo no seu específico contexto social através de uma visão nua e crua, autêntica, mas também humanista. Por isso, de tão realista que parece, quase nos iludimos com a possibilidade de se tratar de um documentário e não de uma obra de ficção.
Passado  quase inteiramente numa escola secundária, «A Turma» revela esse espaço como o de conflitualidade permanente entre professores e alunos.
Focalizado em François Marin, que é também o autor do livro autobiográfico em que  Cantet se baseara para criar o argumento do filme, ele personifica o docente desencantado com um sistema em que deixou de acreditar. Por isso mal ouve os alunos, com quem dificilmente comunica, e vê em si crescer o cansaço, o envelhecimento acelerado, as olheiras, também evidentes nos colegas que disso mesmo se queixam nas sequencias iniciais.
A escola surge para os alunos como uma prisão onde lhes são ministrados saberes pelos quais não revelam o mínimo interesse. Até porque já intuíram o quanto a educação em nada influirá naquilo que virão a ser as suas vidas futuras.  Nascidos nas subclasses mais desfavorecidas, nada os leva a crer que lhes fique acessível o ascensor social pelo qual se possam livrar do ciclo de miséria e de frustração já percecionados nos próprios progenitores. Alienados pelas tentações da sociedade do consumo e do entretenimento dificilmente conseguirão  ganhar consciência de classe, que lhes dê chaves ideológicas para operarem as transformações em que pudessem livrar-se do labirinto sem saída em que se sentem.
Entre professor e alunos agudiza-se o relacionamento, tanto mais que estes tudo fazem para sabotar-lhe a autoridade. Razão porque François perderá a compostura, insultará duas das alunas e ver-se-á assim convertido no bode expiatório do sistema, que o torna fusível da sua irreparável disfuncionalidade. Sobretudo porque avança-se para um tipo de sociedade em que os jovens ou não encontrarão emprego, ou só os exercerão precariamente, e em que a escola apenas é tida como uma forma de, momentaneamente, os ocupar.
Por tudo quanto revela, o filme faz muito mais sentido no título francês - «Entre les murs» - no que do neutro escolhido pelos tradutores nacionais. Porque, de facto, os alunos estão cercados, esmagados, pelas paredes em que são contidos. O balanço é, pois, amargo, desesperançado. Porque sobra o enorme vazio das pessoas, das instituições, da própria civilizaçãa norteado pelo espartilho capitalista. Embora fique uma mensagem alternativa: perante tanta falta de respostas de quem as deveria apresentar, cabe-nos a nós, todos quantos nos indignamos ou rejeitamos este estado das coisas, encontrar as soluções.

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