sábado, maio 05, 2018

(DL) O genocídio do Ruanda segundo Kapuściński


O genocídio dos tutsis no Ruanda, em 1994, ainda está suficientemente próximo para termos presente a ilimitada manifestação da bestialidade humana, quando se acendem rastilhos onde já impera a tensão  da presença de barris de pólvora. Durante vários dias pessoas, até então tidas como isentas de qualquer suspeita de malignidade, saíam de casa logo pela manhã numa caça tenaz aos vizinhos a quem violavam, torturavam e matavam com requintes da mais descontrolada selvajaria. E, atrás de toda essa realidade a hipocrisia do governo de François Mitterrand, que tanto favoreceu os que viriam a liderar a matança.
Sobre esses acontecimentos de 1994 sobram descrições impressivas em livros («Tempo de Catanas» de Jean Hatzfeld) e documentários («Tuez les tous» ou «Le génocide du Rwanda»), mas têm-me falhado explicações mais consistentes para o deflagrar de tanto ódio. Daí a satisfação de tê-las encontrado no «Ébano» de Ryszard Kapuściński, cuja leitura vem constituindo autêntico deleite.
O jornalista polaco recua ao tempo da colonização, para mostrar como tutsis e hútus viram as suas contradições agudizadas por quem as explorava na lógica de dividir para reinar. E daí que o massacre de 1994 mais não tenha sido do que o culminar de outros, em décadas anteriores, que não tendo assumido a mesma dimensão, não deixaram de causar muitos milhares de vítimas.
Há que interpretar a rivalidade interétnica à luz da luta de classes porque, constituindo apenas 14% da população, os tutsis sempre foram os mais abastados por viverem da criação de gado, explorado em grandes pastagens. Pelo contrário os hútus eram pobres camponeses, cujas parcelas de terreno, se revelavam demasiado exíguas para conseguirem rendimento suficiente para os libertar da condição miserável. Tanto mais que a pressão demográfica de uns e de outros, apenas tornava mais incomportável a coexistência de vastos prados destinados à forragem, enquanto escasseavam as terras aráveis para a maioria da população.
Estavam assim criadas as condições para uns quantos populistas cavalgarem á custa da frustração das camadas mais empobrecidas da população, que viram no homicídio dos vizinhos uma forma de catarse e de ansiado nivelamento social. E o que se seguiu foi uma orgia de sangue, que nenhuma potência ocidental quis travar, e só concluída, quando os assassinos estavam exaustos de tantos crimes, e a guerrilha tutsi veio do Burundi repor a ordem onde se afirmara o caos.

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