quinta-feira, maio 24, 2018

(DIM) «Uma juventude alemã» de Jean-Gabriel Périot (2015)


Vinte anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial uma geração de jovens alemães começou a romper o pacto de silêncio até então eficientemente criado por Adenauer e Erhard, questionando os pais e os avós sobre qual tinha sido o seu comportamento durante o período nazi. A curiosidade era ainda espicaçada pelo facto de o novo chanceler, Kiesinger, eleito em 1967, ter sido um notório quadro do partido de Hitler destacando-se como um dos principais colaboradores de Ribbentrop. A controvérsia sobre essa situação ainda mais atiçou esses jovens, que protagonizaram um aceso conflito de gerações. É sobre essa juventude alemã, que Jean-Gabriel Periot concebeu este documentário, sobretudo por se ter radicalizado e ter encetado a contestação da ordem estabelecida através da luta armada. Razão para o filme abrir com a pergunta então formulada por Jean-Luc Godard sobre a exequibilidade de ainda se poder ou não filmar a Alemanha tal qual então se lhe apresentava.
Na conclusão surge um extrato do filme «Alemanha no Outono», realizado por Rainer Fassbinder em 1978, depois do choque nele provocado pela mais do que suspeita morte na prisão de Andreas Baader e Gudrun Esslin, quando esperavam julgamento por pertencerem à Fração do Exército Vermelho. (RAF). O cineasta colocava-se fora de campo enquanto ouvia a mãe dizer-lhe da “necessidade de um dirigente autoritário, mas ao mesmo tempo bom, simpático e sensato.” havia, pois, uma cultura de aceitação do assassinato político de quem detinha o poder para se defender de quem o punha em causa.
Entre o início e esse final Jean-Gabriel Périot desenvolve a história, a principio contada quer pelas imagens e palavras da sua lavra, quer pelos jornais e reportagens televisivas da época, quando eles se converteram nos inimigos  de estimação dos governos oeste-alemães. Nessas peças jornalísticas viam-se Ulrike Meinhof, a jornalista acutilante, que criticava a ordem estabelecida na revista «Konkret» e na televisão, ou Holger Meins, admirador confesso de Dziga Vertov que, com as câmaras da Escola de Cinema de Berlim onde estudava, documentou a revolta estudantil e a repressão policial. Se os primeiros filmes, então rodados, eram alegremente combativos, logo testemunharam a raiva impotente perante inimigo demasiado forte. E também neles comparecem Baader e Esslin, ou Horst Mahler, advogado socialista capaz de abrir eloquente requisitório contra o Estado Policial.
Intenso e excelentemente montado, mas estranho por não conter qualquer comentário que contextualize o que se vê, o filme demonstra a repressão brutal  da revolta juvenil empreendida pela polícia, com a conivência do governo e dos principais jornais e televisões do poderoso grupo Springer. Estava em causa a amnésia histórica e a injustiça social em que se fundamentava o «milagre económico», denunciando as aparências de democracia suscitadas por quem pretendia regressar tão rapidamente possível ao business as usual.
Ao mostrar como a aventura sangrenta dos líderes da RAF precipitou a acelerada reação policial, Périot dá à revolta dos anos sessenta e setenta uma ressonância trágica, ao mesmo tempo que revela quanto ela ainda se mantém latente, passível de redespertar...

Sem comentários: