terça-feira, março 13, 2018

Vidas a reinventarem-se ou a fazerem por isso

São onze da noite e um só corpo. Será que ele basta para várias vidas? É que só se tem um a avançar com a idade, mas de metamorfose limitada. Nesse entendimento poderá ambicionar-se outra existência, diferente da que se tinha à partida? Recomeçar uma nova vida com as mesmas premissas de partida?
Mokhallad Rasem estudou em Bagdad durante nove anos e decidiu partir em 2005, esperando cinco anos pela instalação definitiva na Bélgica onde se refugiara. Pode-se dizer, por isso mesmo, que sabe bem o que significa esperar. O quanto isso acarreta procurar várias vidas no mesmo corpo. Vendo suceder os cenários. Tornar-se tentadora a hipótese de ser-se num qualquer outro lugar. Mesmo compreendendo quão ilusório isso pode ser. Porque o que nos acompanhou foi um corpo, com o qual tudo está por construir.
Quando regressa a Bagdad em 2015 vai interrogar os jovens cujo corpo estacionou sempre no mesmo espaço: “Quem está farto? Quem tem sede? Quem se agrada com esta realidade?” E a esta última pergunta ninguém dá resposta positiva. “Quem quer fugir daqui?”. Muitos. “Quem tem sonhos?”. Todos!
Os sonhos movimentam os corpos, quando se ama medianamente a realidade e se sente a impossibilidade de uma outra vida. São corpos jovens os que Theresa Traoré Dahlberg filma em Ouagadougou. São raparigas decididas a tornarem-se mecânicas de automóveis. Um grupo delas a falar de carroçarias e motores, mesmo sem mudarem os sapatos elegantes. Ou que o pretendem ser. São as Ouaga Girls. E, no entanto, cresce o hábito de ver como normal elas de volta dos capôs e das rodas dos veículos. Os corpos inventam uma nova vida e respondem: “presente!”, quando se as chama pelo nome, outrora sequer enunciados.
Razão para se agradarem com a realidade. São corpos que não se contentam com as restrições de origem e se veem em plena metamorfose.
A instalação vídeo de Mokhallad Rasem e o filme de Theresa Traoré Dahlberg podem ser vistas por estes dias em Paris ou arredores (Valenciennes), e dificilmente as teremos disponíveis ao nosso olhar neste cantinho à beira-mar plantado. Resta-nos ouvir-lhes os propósitos numa das emissões da France Culture.
 

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