quinta-feira, março 08, 2018

(DL) Quatro estórias que se leem com prazer


Dos quatro contos inéditos, que já li, de entre os publicados no «Expresso» no primeiro trimestre deste ano, é curioso sublinhar a importância dos laços familiares, ou deles aparentados, no desenvolvimento das várias narrativas. Sendo este um tempo de complicadas interseções dos protagonistas com as circunstâncias sociais e políticas em que vivem, constituem os laços mais próximos os que condicionam todas as vicissitudes por que passam.
Em «O Meu Tio» Isabela Figueiredo mantém o registo que lhe conhecemos de «A Gorda», pondo uma mulher madura da margem sul do Tejo a viver mal do ofício de escritora e com a vertente afetiva quase reduzida à de complacente educadora de um adolescente vegan, mas, sobretudo, a sentir-se invadida na privacidade por um tio, antigo agente da pide, que se veio instalar num dos quartos do seu apartamento. A surpresa maior no desenlace da História é a de não se confirmar a perspetiva maniqueísta, que seríamos levados a assumir, embora pessoalmente, continue a crer que, uma vez pide, ninguém deixará verdadeiramente de o ser…
Em «Uma História de Pássaros», Afonso Reis Cabral põe o narrador a estabelecer o paralelismo entre a infância, quando quis apanhar e engaiolar umas dezenas de bicos-de-lacre,  merecendo a desaprovação da avô Carolina, que agora morre aos cento e cinco anos. Tal como no conto acima, não existe afeto entre o narrador e a anciã, cuja forte personalidade a todos vincou da pior forma.
João Tordo mantém a estratégia ficcional de recorrer a outras geografias, pondo dois irmãos, um deles adotado, a viverem uma intensa rivalidade que acabará mal para ambos, porque um morrerá na derradeira compita e o outro ficará ostracizado num ilhéu donde não conseguirá regressar à aldeia  governada pelo pai. Uma vez mais é a família como lugar de competição, donde é erradicado o afeto desde muito cedo.
A completar estas leituras «O Abençoado» de Afonso Cruz é o único onde a empatia entre o personagem mais velho e o mais novo chega ao ponto deste último cumprir o derradeiro desejo daquele antes de morrer: Tristan Gould visita o velho Isaac Dresner, a quem sucedera na casa editora, que dirige, e liberta-o do hospício onde a demência parecia acentuar-se para que possa regressar ao local onde um amigo de infância o salvara de um bruto nazi.
Dentro dos limites de páginas em que as estórias se desenvolvem, os quatro títulos em causa demonstram a vitalidade da literatura portuguesa atual.



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