segunda-feira, março 26, 2018

(DL) (DL) «A Resistência» de Julián Fuks


Reconheço que, se não trouxesse a caução do Prémio José Saramago, provavelmente não teria sentido grande apetência pelo quarto romance de Julián Fuks, o primeiro publicado em Portugal. Por um lado, porque o escritor brasileiro diz ostensivamente, que não sabe inventar. Ora, para quem busca na Literatura, que lhe contem estórias, esse não é um cartão de visita, que dê grande vontade em prosseguir no conhecimento do que traz como lastro. Por outro lado, porque a sinopse também não me suscitava particular interesse: o relacionamento de um narrador com um irmão adotivo, de origens nebulosas, porque chegado ao seio familiar numa altura de grande conturbação política, não é habitualmente um tema, que me cative por aí além. Sinto sempre uma maior predisposição para o vasto mundo, que me rodeia, com tudo quanto nele ainda intento descobrir, do que perder-me nos labirintos das angústias e frustrações causadas num microcosmos muito fechado em si mesmo.

Acabada a leitura tenho de me render ao talento do que fui conhecendo, porque se o frasear propicia-nos leitura fácil, é mais curiosa a construção da narrativa. Porque nela não se passam muitos factos concretos. Há o desfilar de memórias, mas também a constante formulação de questões íntimas, que, em muitos casos, ficam sem resposta. É como se estivéssemos numa tradução literária da composição do Bolero de Ravel: a partir da ideia inicial, ela vai sendo lentamente alterada de forma subtil até nela caberem outras que não adivinhávamos vir a encontrar pelo caminho. É o caso de todo o terror associado à ditadura militar argentina, que ecoa em mim com imagens bem concretas, porque, tendo estado em Buenos Aires já quando Raul Alfonsin tomara posse no quadro de uma democracia sob tutela dos opressores, a passagem em frente da sinistra Escola dos Mecanicos da Armada ainda obedecia a conduta cautelosa e cumpridora das regras aí afixadas, porque as fotografias estavam proibidas e qualquer atenção excessiva em surpreender o que se passava no seu interior poderia ser «premiada» com um tiro de aviso.

Ao longo da leitura vão-se sugerindo pistas, que incluem as perturbações desse irmão, de quem nunca se adivinharão as identidades dos progenitores, e que conjeturamos se radicarão no espetro do autismo ou da esquizofrenia, e o efeito da sua presença nos irmãos mais novos, que sempre o sentirão como um corpo estranho dentro dos equilíbrios familiares.

Por vias distintas das que poderia almejar se me voltasse a interessar pela questão das lutas políticas latino-americanas - tema a que volto recorrentemente! - acabei por encontrar com bastante agrado uma forma original de me pôr a refletir sobre as circunstâncias em que elas se verificaram e se podem refletir nas transformações futuras. Em suma apreciei esta obra literária a cujos sucedâneos continuarei atento...

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