sábado, março 17, 2018

(DIM) «O Divã de Estaline» de Fanny Ardant (2016)


Desde a estreia que tive dúvidas quanto à disposição para gastar hora e meia a ver mais uma proposta cinematográfica em que Estaline é diabolizado de acordo com o que dele se quis reter para esconder o essencial: em vez de se o criticar por afastar-se da ideologia de origem consolidando-se num projeto de poder apenas tendo-o como objetivo, criou-se dele a imagem de um monstro particularmente apetecível de explorar para servir às mentes infantilizadas das classes exploradas ocidentais assim melhor acomodadas ao estado das coisas em que têm persistido não questionando a propriedade dos bens de produção. Estaline está para os trabalhadores de todo o mundo como o papão para as criancinhas, que revelem algum tipo de irreverência. É precisamente ao focalizarem-se na ação do homem, em vez de o situarem num sistema, que lhe permitiu o progressivo afastamento do projeto original da Revolução bolchevique, que os historiadores e os ficcionistas apostados em o utilizarem como foco das respetivas abordagens, se escusam a analisar o essencial.
Se, porém, nos abstrairmos dessa designação do personagem de Depardieu e o virmos como a personificação de um líder autoritário apenas orientado pela paranoia pessoal e para a afirmação constante da sua vontade o filme deixa-se ver com algum interesse. Ardant utiliza a estória da dor suscitada pela morte de Nadia, a mulher a quem muito amara e de quem se vira dissociado, sem compreender o porquê, tendo em conta o suicídio a que ela se entregara. E encontramos dois personagens, Lídia  e o pintor, que permitem a utilização complementar de outros tantos temas por si só interessantes de colar ao do exercício do poder totalitário: a subversão da psicanálise, quando interroga os sonhos para neles identificar as causas do sofrimento de quem os cria; e a questão da escolha da coragem ou da cobardia, quando se trata de reagir à opressão.
Não diria que o resultado me tenha particularmente agradado, mas Ardant também não sai chamuscada do exercício. Diria que merecerá o benefício da dúvida para outros títulos, que venha futuramente a assinar.

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