sexta-feira, março 30, 2018

(DL) Quando Albert Londres estacionou as bagagens em Marselha


Albert Londres considerava Marselha uma verdadeira porta aberta para o mundo. No primeiro quarto do século XX, ele era um dos mais conhecidos repórteres, graças aos artigos sobre a condição dos pacientes nos manicómios ou dos prisioneiros nos cárceres de Cayenne. Ao instalar-se em Marselha, em 1926, redige um dos títulos maiores da sua obra, «Marseille, Porte du Sud», que é uma imersão pessoal no ambiente multicultural da cidade.
O farol da entrada do porto é também a referência com que inicia o livro. Transitavam por ali as mercadorias vindas de outros continentes para a Europa e os viajantes que, como ele, chegavam à descoberta de uma cidade tão impressionante. Aos 42 anos  ele já por ali passara inúmeras vezes em episódicas escalas para as suas viagens de globetrotter. Mas, dessa feita, dispôs-se a ficar mais tempo e dar-se à disponibilidade de ali experimentar o espírito do lugar.
Alojando-se perto do velho porto vão interessá-lo, como de costume, as pessoas que ali vivem. Sobretudo na Canebière, avenida larga, que constitui o eixo central da cidade e onde se multiplicam os cafés, os teatros e os cinemas. Londres aconselha a quem quiser encontrar algum vigarista, autor de algum golpe num qualquer outro lugar, a sentar-se numa esplanada e esperar, porque o biltre acabaria sempre por ali desfilar. Há uma ponta do típico exagero marselhês, que parece ter contaminado o repórter.
Londres vivia em Noailles, zona popular com mercados e lojas onde, ainda hoje, se podem encontrar tudo quanto se possa pretender em qualquer dos dias da semana, incluindo os de suposto lazer.
Perante as dezenas de armadores presentes no porto e os destinos mais exóticos propostos pelos seus vapores, o repórter confessa-se tão extasiado como o estaria um miúdo perante uma montra de doçarias. Torna-se incontornável a tentação de embarcar e ir ao encontro do Mar Vermelho ou do Atlântico em direção aos mares do Sul.
Não poderia imaginar que morreria tragicamente seis anos depois no incêndio, que destruiu o paquete, que o trazia da China de regresso à Europa.

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