quarta-feira, março 14, 2018

CINECLUBE GANDAIA: «O Pecado Mora ao Lado» de Billy Wilder (1955)


O início do filme corresponde quase à assinatura do seu realizador, Billy Wilder, que nos habituou ao seu estilo muito peculiar, aqui traduzido na ilustração do hábito dos índios algonquinos mandarem as esposas e os filhos para sítios mais frescos, quando a ilha, que se viria a chamar Manhattan, era sacudida por calores mais rigorosos.
Séculos depois é isso que Richard Sherman faz, despedindo-se da esposa e do filho na estação ferroviária. Com a família no Maine ei-lo liberto para se confrontar com as tentações sexuais que prometera a si mesmo nunca ceder, como o insta, igualmente, a leitura do ensaio objeto da sua atenção por essa altura e que aborda os perigos inerentes aos sete anos de casamento.
As boas intenções tornam-se mais difíceis de cumprir perante a novidade de se ver a partilhar o prédio, praticamente vazio, com a concupiscente vizinha de cima, que ganha a vida como modelo publicitário. Se pelos atos vai cumprindo dificilmente o compromisso de fidelidade conjugal a fantasia solta-se-lhe para se imaginar nas situações mais perturbadoras, que incluem a hipótese de ver a própria esposa pronta a enganá-lo.
Quando os estúdios de Hollywood rivalizaram para adaptarem ao cinema a bem sucedida peça de teatro da Broadway confrontaram-se com um problema: ela usava e abusava do tema do adultério, algo proscrito pelo rígido código de censura da indústria cinematográfica. Razão maior para recorrerem a um cineasta capaz de dar a volta ao problema, cumprindo as regras impostas com o maior rigor, mas alimentando toda a intriga, imaginada por George Axelrod, com um manto de sugestões, que tornavam a estória muito mais subversiva em relação aos padrões puritanos então vigentes sem descurar a eficácia e a elegância dignas de serem objeto da nossa rendida atenção, mesmo seis décadas entretanto passadas.
Wilder respeitou a estrutura teatral, já que quase todo o filme é passado no apartamento de Richard, excetuando-se, entre outras, a célebre cena  do vestido de Marilyn a esvoaçar por obra e graça da ventilação do metro nova-iorquino. Essa cena, que se tornaria icónica  também valeria à atriz o divórcio do seu casamento com Joe DiMaggio apesar de só ter ocorrido nove meses antes. O famoso jogador de basebol não suportou que a conjugue mostrasse os seus atributos à multidão, que se acotovelara às primeiras horas do dia 15 de setembro de 1954 junto a um dos respiradouros do metro da Avenida Lexington para acompanhar a rodagem da cena.
Os comentários foram tão exuberantes que, diz a lenda, essas imagens não puderam ser aproveitadas, obrigando Wilder a recriar a situação em estúdio para as rodar sem tais incómodos. Mas o estrago estava feito e, apesar de nunca ter deixado de ser um dos amigos com que Marilyn contou até ao fim da curta vida, DiMaggio nunca se recuperou dos ciúmes que deitaram a perder o seu mediático enlace.

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