quinta-feira, março 08, 2018

AS PARTES DO TODO (XX): a Grande Muralha Verde e o património africano em museus europeus


1. Anualmente perdem-se doze milhões de hectares de terras aráveis em todo o mundo. A situação é particularmente complicada nos países subsarianos onde a economia baseia-se, em mais de 80%, na obtenção dos meios básicos de subsistência através da exploração agrícola. A desertificação e a seca acentuam-se à medida que o aquecimento global se intensifica, empurrando as populações para a emigração.
Para contrariar esse estado de coisas onze países africanos lançaram em 2008 o projeto «Grande Muralha Verde» que visa vegetalizar oito mil quilómetros de terras entre o Senegal e o Djubuti. Esse programa, fundamentado  na sustentabilidade, estabilidade e segurança, foi concebido como um reordenamento territorial implementado com a ajuda das populações.
Poderá ele revolucionar a forma como a crise se está a manifestar em África e se traduz no afluxo contínuo e exagerado de populações ansiosas por atravessarem o Mediterrâneo e virem-se estabelecer nos vários países europeus? A resposta ainda é imprevisível, mas poderá residir aqui uma esperança para milhões de pessoas condenadas à fome e à miséria por não encontrarem meios de sobrevivência nos sítios onde nasceram.
2. Há uns anos uma amiga brasileira da minha cara metade elogiou-lhe os museus nacionais, porque, ainda que pequenos em dimensão, só tinham peças nossas não se lhes vislumbrando as que tivessem resultado do esbulho dos povos coloniais, ao contrário do que se poderia constatar nos congéneres de várias capitais europeias.
Este elogio voltou-me à memória a respeito da polémica, atualmente em curso em França, onde Emmanuel Macron parece disposto a devolver muito do património museológico africano integrado desde há muitas décadas no património francês. Rompe assim com o não categórico da diplomacia francesa ao pedido feito nesse sentido pelo presidente do Benim em 2016.
O assunto extravasa a própria França, porque outros países europeus veem-se a braços com reivindicações semelhantes: os egípcios exigem dos ingleses a Pedra de Roseta, os argelinos querem de volta as cabeças em formol dos seus mártires mortos pelo exército francês nas revoltas do século XIX e então utilizadas como troféus de guerra. Mas o consenso não está garantido, porque muitos historiadores exigem que seja investigada a forma como essas peças foram adquiridas, porquanto existirão muitas cuja transferência de propriedade resultou de negócios, mesmo que desequilibrados, entre representantes dos colonizadores e os artistas colonizados. E, de facto, olhando por exemplo para a prodigiosa coleção acumulada pelo nosso artista plástico José Guimarães, que aproveitou as longas estadias em África para ir comprando peças sucessivas, existirá alguma legitimidade em as mandar de volta para os sítios donde vieram? É que a incauta resolução de Macron não contempla apenas as coleções nacionais, abarcando igualmente as de carácter privado.

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