quinta-feira, março 15, 2018

(DL) Lendo João Pinto Coelho, Patricia Reis e Alberto Manguel


1. «Perguntem a Sarah Cross» foi o primeiro título de romance por que ficámos a conhecer o autor, João Pinto Coelho, que ganharia o Prémio Leya de 2017 com «Os Loucos da Rua Mazur».
A história passa-se em 1968 quando a jovem professora Kimberly Parker atravessa os Estados Unidos para ocupar uma vaga de professora de Literatura numa das mais elitistas universidades da Costa Leste. Ela que foge de um tio que, clandestinamente, a violara anos a fio, encontra abrigo num espaço onde a permanente sensação de se ver ameaçada, exorciza-se na personalidade da reitora, Sarah Gross, cujo sofrimento atroz vivido durante a experiência de prisioneira em Auschwitz, irá ser descrito na parte final do livro, aquela em que o leitor quase se vê a viajar no tempo para acompanhar as terríveis condições do Holocausto.
As duas narrativas interligam-se, embora as personagens principais só coexistam esporadicamente no espaço e no tempo. Mas o romance serve, igualmente, para escalpelizar o racismo das instituições norte-americanas numa época em que os Direitos Cívicos eram conquista recente e ainda suscitavam mortes mediáticas, como a de Martin Luther King, ocorrida nesse mesmo ano.
Quando se é iludido para o primado das vicissitudes em torno de Kimberley - sobretudo, quando a sabemos assediada a milhares de quilómetros de distância pelo agressor, que não hesitara em a seguir - eis que é a morte de Sarah a desviar-nos do curso lógico para que fôramos direcionados pela primeira parte do livro, verificando-se uma solução ficcional de verosimilhança algo discutível.
Trata-se, não obstante, de um romance de apreciável fôlego e só possível mediante uma esforçada investigação empreendida pelo seu autor.
2. «Cenas de Entendimento para uma Sinfonia Perfeita» é uma novela de Patrícia Reis, que imita as sinfonias na subdivisão em cinco andamentos - o Allegro, o Andante, o Minueto, o Rondó e o Finale - embora, na realidade, não conheça uma única que obedeça a tal esquema.
A estória é a de uma jovem estudante de artes plásticas, cuja relação sigilosa com o amante casado aproveita diversas geografias. Até à opção por uma bolsa nos Estados Unidos, que a afasta dele o bastante para logo se ver trocada por outra rapariga da sua idade, com quem o encontra episodicamente numa rua de Nova Iorque. Há competência na criação da intriga, mas confesso que continuo sem engraçar com a escrita da autora.
3. «No Bosque do Espelho» é um ensaio assinado por Alberto Manguel tendo por inspiração os dois livros de Lewis Carroll tendo Alice como protagonista, que ele foi apreciando diferenciadamente ao longo dos anos e em sucessivas leituras: “um livro torna-se um livro diferente de cada vez que o lemos”, constata. Mesmo que, em todas elas, se depreenda uma incapacidade para a compreendermos no quanto de prodigioso nos sugere.  Porque adivinha-se-lhes uma filosofia de vida, que pode assumir uma possibilidade subversiva.  Nem que seja pela sua condição de refugio, de abrigo: “os leitores sabem que, pelo menos, há, aqui e ali, uma meia dúzia de esconderijos tão reais como o papel e tão estimulantes como a tinta, que nos oferecem um teto e nos embarcam na nossa travessia pelo bosque escuro e sem nome”.

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