segunda-feira, março 26, 2018

(DIM) O crepúsculo do Jornalismo com letra grande


Há filmes que a crítica desqualifica ao ater-se exclusivamente aos critérios cinematográficos, mas cuja valia se revela bem maior pela relevância do tema, que abordam. É o que se passa com este «Truth», rodado em 2015 por James Vanderbilt e sumariamente arrumado na categoria dos entretenimentos, que poderiam ter passado por meros telefilmes. E, no entanto, aqui se trata de como as carreiras jornalísticas de Dan Rather e de Mary Maples foram pelo esgoto, apesar de ambos serem tidos como dos melhores profissionais da CBS.

Para terem visto comprometido o futuro profissional bastou-lhes uma reportagem para o «60 minutos» em que se denunciava a forma discutível como George W. Bush escapara à Guerra do Vietname graças a uma cunha do papá para ser integrado na Guarda Nacional do Texas.  Numa altura em que os republicanos caluniavam John Kerry a propósito do seu medalhado heroísmo em teatro de operações na Indochina, a cobardia do opositor arriscava deixá-lo em muito mais lençóis.

Muito embora a equipa comandada por Mary não consiga dotar-se do suporte documental, que comprovaria a tese, as provas obtidas eram mais do que consistentes para que pusessem em causa a honorabilidade de um presidente com a reeleição longe de ser tida como assegurada.

O que, a partir daí se vê é a exemplar revelação de uma das mais usuais estratégias das direitas para descredibilizarem os argumentos de quem as põe me causa. Prendendo-se à forma, e não ao conteúdo, os defensores de Bush encetam uma feroz campanha nos blogues, depois extravasada para os meios de comunicação tradicionais, em que deixa de importar se a notícia de fundo era ou não verdadeira para se detalhar a credibilidade de cada uma das suas provas. Entre gente que, ora diz uma coisa hoje, e outra completamente oposta no dia seguinte, e toda a poeira atirada para os olhos do público por quem aposta em pôr em causa o mensageiro como forma de vedar o acesso à mensagem, tudo vale para que Bush Jr. volte a ser reeleito. Para os manipuladores da verdade a regra é focar a atenção em cada árvore, para que não se permita divisar a floresta no seu todo.

O que aqui se explicita é a morte de um jornalismo sujeito a irrepreensível deontologia, apenas preocupado pelo conteúdo da notícia, desprezando o seu eventual rendimento comercial ou político. Daí que excelentes atores desde Blanchett a Redford, de Quaid a Moss, sirvam de caução ao que faz lembrar os grandes filmes “liberais” dos anos 70, quando gente da estirpe de Pollack ou Lumet podiam beliscar, ainda que com cuidado, a essência do capitalismo selvagem, que andava então a despojar-se dos seus remanescentes escrúpulos. O mesmo que parece ter formatado os nossos «jornaleiros» atuais de acordo com essa contínua sabotagem da realidade de forma a iludir os ingénuos e os tolos, que se disponham a votar em quem já saliva só de os ver prontos para a degola...


Sem comentários: