quinta-feira, setembro 28, 2017

(DIM) As histórias para que «Blue Velvet» remete

Em 1981, enquanto  penava para arranjar quem lhe financiasse o «Hammett», e lhe possibilitasse a sua conclusão, o realizador alemão Wim Wenders deu uma célebre entrevista em que dizia basicamente isto: já todas as histórias foram contadas, pelo que resta ir criando variações mais ou menos repetitivas de todas elas.
Neste filme, que Lynch rodaria meia dúzia de anos depois, existem influências óbvias de duas das mais conhecidas estórias do imaginário infantil: «Alice no País das Maravilhas» e «O Feiticeiro de Oz».
A primeira, a da personagem de Lewis Carroll que caía desprevenidamente num mundo com regras e lógicas diferentes após a tentativa de perseguição a um coelho, é replicada em «Blue Velvet» através da súbita dissociação de Jeffrey do seu banal quotidiano de classe média ao descobrir uma orelha humana no relvado do seu jardim e ela lhe serve de passaporte para um outro espaço onde a violência anda de mãos dadas com a sua inesperada pulsão para o voyeurismo sadomasoquista.
O filme em que Judy Garland, acompanhada pelo cobarde Leão, pelo Homem de Lata sem coração ou pelo Espantalho sem cérebro, é devidamente homenageado pelo nome da personagem confiada a Isabella Rosselllini: Dorothy. Trata-se do mesmo nome da rapariga que percorria a estrada dos tijolos amarelos para pedir ajuda ao mago, que lhe permitiria vencer a ameaça representada pela Bruxa Má do Ocidente. No filme de David Lynch essa vilã muda de sexo e adota a caracterização de um traficante de droga sinistro e do seu ainda mais odioso capanga, sugerindo o realizador uma atração homossexual entre ambos.
É num destes papéis de vilão, que reencontramos Dennis Hopper, que se tornara um dos ídolos da nossa juventude com o «Easy Rider», mas depois, rendido à mais destemperada toxicodependência desafiaria a paciência de Coppola durante a rodagem de «Apocalypse Now». Na altura da rodagem do filme, depois de Lynch levar sucessivas negas de outros atores a quem pretendia confiar o papel, Hopper procurava recuperar o estatuto de alguma seriedade no que fazia, sem nada perder do histrionismo anteriormente conferido pelos seus estados alucinogénios.
David Lynch confiaria mais tarde, que «Blue Velvet» era o seu filme mais pessoal, aquele com que melhor se identificaria de entre todos quantos assinou. Nele existem opostos dialéticos, que se digladiam numa atmosfera hipnótica suscitada até pela forma como a canção, que dá título ao filme, é sucessivamente interpretada.
Jeffrey revela-se um Cândido vindo do passado onde Voltaire o deixara e encontrando no que vai descobrindo um mundo, que até Pangloss teria dificuldade em considerar o melhor de entre todos os possíveis.

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