segunda-feira, setembro 04, 2017

(DL) Boris, o do coração fraco

Já surgiu há dez anos a biografia de referência, que Claire Julliard escreveu sobre Boris Vian, um homem plural que, em apenas trinta e nove anos, viveu várias vidas e procurou conciliar a propensão para a fantasia e a excentricidade com a cinzentude carregada, que via estender-se à sua volta. Ele considerava o mundo absurdo e povoado de idiotas. Como eram exemplo lapidar esses miúdos e miúdas de 17 anos, promovidos em parangonas pela imprensa, e que se punham a redigir as suas Memórias. Atónito Vian perguntava-se: nessa idade o que tinham eles já vivido para que tivessem algo de interessante a contar?
Ele, pelo contrário, esforçava-se por ter o que efetivamente revelar, vivendo intensamente a boémia das noites parisienses do pós-guerra e trabalhando intensamente os textos tão-só chegava a casa. O facto de dormir pouco era um dos comportamentos, que os médicos lhe desaconselhavam, cientes da fragilidade do seu estado físico. Os outros eram o de tocar trompete ou passar horas nos ambientes cheios de fumo dos bares, que frequentava.
Os seus textos, embora próximos dos surrealistas não lhes seguiam os cânones. Mas eram completamente diferentes dos produzidos pelos realistas do século XIX, que lera atentamente, sem deixar que o influenciassem. A perspetiva era a de ser incompreensível, que os leitores andassem ocupados com histórias todas iguais umas às outras, incapazes de lhes transmitirem qualquer novidade. Daí apostar em algo completamente diferente.
Essa busca pela originalidade, colhera-a do pai, filho de uma família abastada, que nunca deixou de ser uma criança grande ostensivamente apostado em não amadurecer. Casara por isso com uma mulher mais velha, que lhe dera vários filhos e tentara dar à família alguma aparência de normalidade. Mas, portas adentro, Boris sentiu-se viver numa espécie de paraíso terrestre, que excluía qualquer interesse pelo que o rodeava no exterior. O pior foram os efeitos da crise de 1929, que obrigou a família a mudar-se para a casa do jardineiro na propriedade a fim de alugar a residência principal e passar a viver dos rendimentos por ela proporcionados.
Na escola o futuro escritor brilhará como aluno exemplar, embora viesse a reconhecer que vestira uma personalidade à medida das expetativas dos professores e dos condiscípulos, sem correspondência com o que sentia verdadeiramente dentro de si. Quando, aos dezanove anos, vê declarada a 2ª Guerra Mundial considera-a um escândalo: como seria possível algo de tão terrível, cuja razão seria a de matar seres humanos? A canção do Desertor terá começado a ganhar expressão por esses anos.
Depois, quando a guerra acaba, toma-se de amores pelo jazz e se a Gallimard lhe rejeita os livros, ele ganha a vida como cantor e compositor de canções de sucesso na rive gauche.
Embora rejeite totalmente a filosofia existencialista, torna-se amigo de Sartre, que o convida para assinar uma coluna regular na revista «Les Temps Modernes». O problema foi a infidelidade da companheira de Boris com o celebrado pensador e lá se foi a grande amizade pelo cano abaixo. Mas Úrsula, aquela que o acompanharia até à morte precoce, viria acalmar-lhe as frustrações amorosas.
Só que o coração era mesmo fraco: em 1959, enquanto via uma projeção privada da péssima adaptação do seu «J’ Irai Cracher sur vos Tombes» um ataque fulminante prostrou-o na plateia. Desaparecia cedo demais um dos nomes maiores da cultura francesa do pós-guerra.

Sem comentários: