quarta-feira, setembro 27, 2017

(DIM) «Blue Velvet», o filme que David Lynch realizou há trinta anos

No início somos convidados para uma intriga convencional: uma manhã, quando se prepara para visitar o pai, que tivera um ataque cardíaco, Jeffrey encontra uma orelha humana no seu relvado e apresta-se a ir entrega-la à polícia. Mas o detetive John Williams, em quem reconhece um dos seus vizinhos, aconselha-o a calar-se sobre o macabro achado.
Como em qualquer thriller, se não há quem investigue um possível crime, logo amadores se encarregam de procurar a verdade, E aqui eles serão o citado Jeffrey e a filha do detetive Williams, Sandy, que adivinha o pai muito interessado pelas suspeitas atividades de outra habitante do bairro, a cantora Dorothy Vallens.
Nessa altura começamos a perceber que, a exemplo da Alice de Lewis Carroll, Jeffrey terá encontrado a entrada para um mundo de sonhos, onde se passará a aferir a fronteira entre o verdadeiro e o falso, o real e o imaginário, o consciente e o inconsciente. Ainda que, nesse ano de 1987, David Lynch estivesse a assinar o quarto título da sua filmografia, as suas características ulteriores já aqui se vão pressentindo.
A violência, de que se constata ser Dorothy indefesa vítima, tem a ver com a atração do realizador por tudo quanto soe a interdito no labirinto simbólico de uma consciência habitada por fantasmas. Aliás a escolha do nome da cantora interpretada por Isabella Rossellini remete para a personagem homónima do «Feiticeiro de Oz», já que se lhe compara em sentir-se perdida num mundo cujas regras mal consegue entender.
Pretendendo servir-lhe de cavaleiro andante, Jeffrey não escapa a tremenda sova, quando procura esmiuçar a teia em que ela se enredou e onde impera um mafioso inquietante, somado aos seus não menos malévolos capangas.  Tudo parece ser familiar e inquietante, conhecido e surpreendente, instável e falsamente lógico. E a música, particularmente o tema que dá o título ao filme, consegue ser hipnótico na forma como parece envolver os protagonistas no seu incontornável sortilégio.
Em suma, um filme que sugere bem mais do que mostra e por isso se presta às mais desconchavadas interpretações. A começar pela casta relação entre Jeffrey e Sandy, ora a lembrarem dois irmãos, que se dedicassem a contar um ao outro contos de terror quando os pais já tinham adormecido, ora revelando um potencial para se virem a render a uma quase incestuosa conjugalidade.
«Blue Velvet» acaba por ser uma proposta com muito de mágico, que chega a encantar sem que possamos explicar por que tal se verifica.

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