sábado, setembro 02, 2017

(DIM) Regressar ao turbilhão da vida

Passados mais de quarenta anos desde que vi «Jules et Jim» pela primeira vez o prazer da sua redescoberta mantém-se intacto, não tanto pela história que já conhecia, mas pelo que é possível concluir de novo e me passara despercebido em pretéritas ocasiões. Por exemplo a homossexualidade latente entre os dois homens, vivida através do corpo da mulher por ambos amada. Segundo o texto de João Bénard da Costa, que agora acompanhou a sua reapresentação na Cinemateca, esse aspeto até estava mais clarificado no romance de Henri-Pierre Roché, no qual Truffaut se baseara tendo o realizador tornado-o menos evidente. Mas, visto agora por esse «filtro», a evidência está lá sem grande espaço para dúvidas.
Há também a questão do tempo, que surge explicitado através da ampulheta utilizada por Jules para substituir o relógio e assinala a impossibilidade de conservar os momentos mais gratificantes da vida, aqueles que desejaríamos conservar para sempre e deles nunca nos ausentarmos. Ora essa vertente prende-se com a nostalgia do passado mítico em que ir ao cinema tinha uma outra solenidade, que a evolução extinguiu e em que, nós próprios, possuíamos expetativas de futuros radiosos sempre adiados e agora sentidos como já inacessíveis.
Mas o filme seduz pelo que nele permanece imutável: a interpretação encantatória de Jeanne Moreau, a bela canção «Le Tourbillon de la Vie», que ela interpreta e a inspirada banda sonora de Georges Delerue.
«Jules et Jim» desmente aquela tese de não ser aconselhável o regresso ao que, em tempos, nos fez tão felizes. Há filmes, que têm essa virtude e justificam a ideia de ser hoje bem mais fácil satisfazer o prazer da cinefilia na sala da Barata Salgueiro do que em qualquer outra existente num centro comercial. Ou num ecrã da nossa casa, por muito que crismado de «home cinema». Porque obras assim têm de ser revividas em ambientes tão próximos quanto possível daqueles onde se desvendaram para a nossa capacidade de maravilhamento.


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