terça-feira, setembro 05, 2017

A ética da responsabilidade coletiva

Iniciei a «História Natural da Destruição» de Sebald e fui ao encontro de um dos temas que me têm interessado mais sobre a II Guerra Mundial, porque menos abordados naquilo que sobre ela vejo, leio ou ouço: como era a vida dos alemães sob a chuva de bombas, que sobre eles se abateu a partir de 1943.
Três anos antes, ciente do seu quase total isolamento face a um inimigo, que ia expandindo a sua influência por toda a Europa Continental, Churchill chegou à conclusão de ter como única solução a mais urgente construção de aeródromos, de aviões e de fábricas de produção de armamento, que lhe viesse a possibilitar o que designou como moral bombing do território do inimigo. Depois, quando todo essa máquina de guerra estava a carburar em pleno, não havia como a parar. Daí que alguns dos bombardeamentos do final da guerra tenham sido considerados sem justificação, porque dirigidos contra quem já estava acossado, pronto para reconhecer a rendição.
Essa sujeição da população civil alemã a tão duro castigo não encontrou, porém, nos escritores que a ele sobreviveram um testemunho, que nos permitisse conhecer o que sentiram, temeram, sequer pensaram, os que viram as suas casas reduzidas a escombros, perderam familiares e amigos ou vivenciaram a fome, o frio, a sede, o cheiro nauseabundo dos cadáveres e outras variantes de sofrimento. É essa a constatação feita por Sebald, que sobre o assunto apresentou uma conferência na Suíça em que referenciava os escassos testemunhos literários capazes de servirem de exceção a essa regra.
Tudo se passara como se os sobreviventes quisessem orientar a atenção para o futuro, virando costas a um passado, que só queriam esquecer. Havia na época um problema identitário para resolver e a que os escritores de então se dedicaram: que indivíduos eram lá bem no fundo de si próprios?
O problema residia tão-só nisto: a maioria dos alemães tinha participado ativa ou passivamente nos crimes nazis. Daí que o seu sofrimento fosse desprezado em comparação com o dos judeus, soviéticos e todos quantos haviam sido internados e mortos nos campos de extermínio. Provavelmente a dimensão do seu sofrimento, nessa segunda metade da guerra, nada ficara a dever aos de outros povos que, ocupados pelos nazis lhes sofreram tantas humilhações quantas as depois padecidas quando os libertadores os acusaram, implícita ou explicitamente, de não terem criado  os seus próprios exércitos de partisans.
O dilema ético que se me coloca é este: deveremos condenar todos os crimes contra civis, equiparando-os a todos, independentemente de terem sido cometidos por nazis ou exércitos aliados, ou justifica-se a diferenciação entre os que, mediante eleições levaram Hitler ao poder, e os que lhes sofreram as agressões expansionistas?
Até ao ponto a que cheguei - um pouco depois de meio do livro - Sebald não coloca essa pergunta, que me é essencial. Porque as vítimas de Dresden ou de Colónia, merecerão tanto apreço quanto as que se esfumaram pelas chaminés de Auschwitz? A responsabilização coletiva dos povos pelos crimes dos seus dirigentes continua a ser matéria, que merece alguma aceitação. Por muito que reconheça terem existido por certo muitos antinazis convictos que, na Alemanha, sofreram as consequências de um regime que, logo de início, não terão deixado de odiar.  

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