segunda-feira, setembro 18, 2017

(DL) Na Cidade de Ulisses descrita por Teolinda Gersão

Para Paulo Vaz a oportunidade é aliciante: o convite para uma exposição no Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, trabalhando Lisboa como tema. Acontece que essa ideia já lhe germinara anos atrás, quando ainda vivia com Cecília, pelo que a pretende associar ao evento. O que poderá suscitar-lhe alguns problemas com Sara, a atual companheira, mas sobretudo com a própria Cecília, que havia com ele rompido a ligação amorosa e dele rejeitara todas as tentativas de contacto.
É assim, que inicia o romance «A Cidade de Ulisses», que Teolinda Gersão publicou em 2011 e a pôs a assumir o papel de voz do narrador masculino. O que suscita sempre aquele interesse de aferirmos quão credível é alguém colocar-se na pele de quem pertence ao género oposto.
Mas o romance não se cinge a esse triângulo potencialmente gerador de conflitos, porque a escritora opta por nos dar a conhecer o passado de Paulo Vaz, assim nos remetendo para os derradeiros anos do salazarismo e os subsequentes à Revolução de Abril. O pai era um major do Exército, que nunca se livraria dos valores ultraconservadores em que fora educado. Por isso mesmo a mãe será uma mulher cerceada nos seus valores artísticos, sempre confrontada com os ciúmes doentios de quem a fora buscar à mediocridade de uma cidade de província para a subjugar numa cidade, que lhe passaria completamente ao lado.
Se apostávamos em quezílias amorosas, elas tardarão a chegar, porque assistiremos prioritariamente ao conflito de gerações entre Paulo e esse odioso pai. A saída de casa e as bolsas, que lhe permitem estagiar em vários países europeus, libertam-no das amarras em que sabe deixar a mãe, anos depois a imitá-lo da forma mais trágica, porque evadir-se-á de si mesma ao ver-se acometida da doença de Alzheimer.
Conheceremos depois o período mais feliz da vida de Paulo, quando o dia-a-dia com Cecília parece continuamente pintado de cor-de-rosa. Até uma disputa terrível, e de consequências trágicas, os afastar. A escritora consegue vencer a aposta ao fazer-nos odiar esse protagonista, que continua a contar-nos as suas circunstâncias na primeira pessoa e procura desculpabilizar-se do seu indesculpável comportamento.
Chegamos, enfim, ao terceiro capítulo, quando a exposição se cumpre, apagando-se a de Paulo, perante a surpresa pública da descoberta da obra dela, durante anos acumulada no seu atelier. Para o pintor esse momento é o da definitiva libertação de um passado a que permanecera agarrado, ficando finalmente aligeirado para o futuro com a paciente Sara.
Não sendo um romance, que me entusiasmasse pelo tipo de tema e de personagens, há que reconhecer-se o talento da autora na forma como o estruturou e desenvolveu. No teste, que cá em casa fazemos como definidor da qualidade da escrita - a sua leitura em voz alta -., ele passa com distinção. 

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