terça-feira, setembro 12, 2017

(EdH) O que o meu avô estava a viver há (quase) cem anos

Sessenta milhões de homens participaram numa guerra, que deveria ser fulminante não chegando sequer ao Natal de 1914. Afinal foi por muito pouco que não se cumpriu uma quinta época festiva na lama das trincheiras. No total foram 8,5 milhões os mortos de um conflito, que deixou a Europa exangue. Oito mil foram os portugueses, que não regressaram de entre os cem mil mobilizados para garantir que as colónias não se perderiam nem que a jovem República se visse excluída da mesa dos vencedores. Mas tudo se começara a definir em 1916, quando ocorreu uma grave crise de transportes marítimos, tão necessários para garantir a logística dos exércitos em guerra e todos os navios eram preciosos. Razão porque o governo republicano teve de aceder à solicitação do aliado inglês de apresar os navios alemães estacionados no porto de Lisboa. Ao fazê-lo o governo sabia que os alemães declarariam uma guerra, que colhia tantos entusiastas lusos pela intervenção quanto férreos opositores. Sobretudo por se saber quão desguarnecido estava o Exército e tão fracos soldados possuía nas suas hostes.
O resultado viu-se em La Lys, que nunca deixaria de ser evocada pelo meu avô nos anos, que contou de vida desde então como sobrevivente de um desastre militar a que atribuía culpas aos ingleses em geral e a Afonso Costa em particular. Injustamente já se vê, porque dificilmente seria evitável esse compromisso com um esforço de guerra, que obrigava o frágil regime republicano a não pôr em causa o Império, que os seus principais líderes tinham defendido tenazmente na altura do Ultimato, nem em recusar os termos da aliança com a monarquia inglesa, que não o acolhera com grande entusiasmo.
Em miúdo ouvi muitas estórias de viva voz sobre o que se passara na Flandres e sempre imaginei o que esse meu antepassado ali viveu no ano terrível em que o frio, a fome, o fogo da artilharia e a ameaça dos gases tornava periclitante cada dia. Mesmo não apreciando o estilo, vejo-o mais realisticamente representado nas pinturas de Sousa Lopes expostas no Museu Militar do que nos filmes a preto-e-branco da época. Porque ele a representou a cores e, sobretudo, porque se sabe como viveu intensamente a experiência da frente de batalha para colher dela o retrato mais realista.
É na fisionomia daqueles soldados ali representados, que melhor imagino o João Trindade a dar tratos à cabeça de como dali haveria de escapar. 

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